45 do primeiro tempo
"O que dá pra rir, dá pra chorar
Questão só de peso e medida
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida."
Esses versos ficaram comigo desde que sentei naquele bar, no happy hour, para tomar uma caipirinha na promoção, em plena quarta-feira de janeiro.
Sim, meus textos são descritivos. Eu usava uma saia preta, camisa do Londrina, tênis Vans de cano alto, aquele que todos os adolescentes adoram. Ele estava de bermuda jeans, camisa polo azul, tênis de corrida e meias brancas.
Eram seis da tarde, fazia muito calor. O bar estava quase cheio, sentamos numa mesinha apertada, de lado para a rua: eu via ele e todo o movimento dos jovens garçons e garçonetes, das mulheres lindas em seus vestidos e saltos, que buscavam um lugar para tomar um drink entre amigas. Ele me via e via também a parede atrás de mim, que, por acaso, replicava a fachada de uma sorveteria japonesa. Tirei algumas fotos dele bebendo seu chope de férias e uma selfie sorrindo enquanto olhava para ele.
Ele bebeu chope, eu caipirinha. Comemos porquinho, porque adoramos. E ficamos ouvindo a trilha sonora do local, bastante eclética. Música brasileira. E, de repente, começou a tocar "Canto Chorado". Nunca tinha ouvido, mas já achei a primeira frase da música muito convidativa: "O que dá pra rir, dá pra chorar". Originais do Samba. Uma escolha bastante original para a playlist do bar dos jovens, trocadilhos à parte.
Fiquei com essa música na cabeça e, eventualmente, criei uma playlist para ela e batizei de "45 do primeiro tempo", em alusão aos 45 anos que completaremos esse ano: eu e meus tantos amigos nascidos em 1980.
Ele será o primeiro, depois a Su, a Carolzinha, a Van, e, finalmente, eu, no finalzinho do ano, quando a gente vai descer para BC. Ops, a gente não é do tipo que quer descer para BC. Ainda bem.
Pois bem, se dá pra rir, dá pra chorar. E comecei a fazer muitas analogias sobre esse verso: se dá pra rir com a compra de um carro novo, dá pra chorar porque ele é um "velho carro novo", com muitos quilômetros rodados e muitos reparos a serem feitos.
Dá pra chorar com o gasto inesperado, mas dá pra rir porque ele me leva para onde eu preciso ir.
Dá pra rir porque pedi um sinal ao universo e ele me mostrou esse modelo de carro incessantemente até eu achar um para chamar de meu, mas dá pra chorar porque mais uma vez me toquei que tomei uma decisão precipitada.
Dá pra chorar porque me venderam um carro na promoção sem revisão dizendo que estava revisado, mas dá pra rir porque conseguirei pagar os consertos que virão pela frente com um pouco de organização financeira.
O que dá pra rir, dá pra chorar: eu não viajo mais de férias, mas tenho uma casa na praia e uma no sítio para onde posso correr sempre que precisar. Ou melhor, minha mãe tem uma casa na praia e meu pai tem um sítio. Que eles tanto desejaram. Rindo e chorando há dois anos, eles seguem firmes no propósito de serem família um para o outro e para a vó.
O que dá pra rir, dá pra chorar: no mesmo dia da festa flamenca, minha família reencontrará a prima que vive na Suíça e voltará ao país pela primeira vez em 15 anos. Não vou bailar no teatro, mas vou abraçar os meus junto aos meus.
Se eu choro quando a gente se despede, eu rio quando a gente se reencontra. "Preciso acabar logo com isso" , diz o verso que Erasmo repete enquanto está "sentado à beira do caminho".
"Olho pra mim mesmo, me procuro e não encontro nada". Parece eu conversando com a psicóloga às sextas à tarde. "Preciso lembrar que eu existo", repito para ela ao final de toda sessão. E depois choro. E sigo esquecendo em alguns dias e lembrando em outros.
Existir significa decidir. Escolher. Errar muito mais do que acertar e ficar em paz com isso. Mas eu sigo "esperando a vida inteira por você sentada à beira do caminho".
"É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi".
"Quando eu te encontrei frente a frente não vi meu rosto."
"E quem vem de outro sonho feliz de cidade aprende depressa a chamar-te de realidade."
"Corações de mãe, arpões, sereias e serpentes, que te rabiscam o corpo todo mas não sentes".
"Foi ciúme, sim."
"Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar."
"Ficaram as canções e você não ficou".
"A sorrir, eu pretendo levar a vida. Pois chorando, eu vi a mocidade perdida."
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