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Mostrando postagens de novembro, 2019

insight

Eu acho que finalmente entendi a Therê. De repente eu sei porque ela ainda está de luto, mesmo fazendo onze anos da morte do Milton. Eu entendo. Ela sofre com a falta dele e com a falta da vida que tinha como esposa e cuidadora. Ela não é mais esposa e sim viúva. E hoje precisa ser cuidada. Perdeu muita coisa em uma década, e vai continuar perdendo porque a idade avançada nos tira muito. Eu entendo a Therê. Eu entendo seus filhos, que também viverão para sempre um luto. O do pai e da mãe que um dia Therê foi. Entendo o luto permanente dos netos, que perderam avô e tiveram que ressignificar a avó que conheciam. São onze anos de luto para esta família. Depois de dois anos e meio, percebi que como a Therê, estou de luto. Que tudo que tenho vivido não passa de uma tentativa de me reinventar depois da perda do trabalho naquele jornal. Vivo dizendo para mim mesma e para os outros que foi a melhor escolha, que a vida é melhor assim, mas entendi que apesar disso, ainda dói, mesmo eu tendo ped

lilás

Uma garrafa térmica não é apenas uma garrafa térmica, não é mesmo? É lembrança. Traz aquele pretinho dos cafés passados. Traz a sujeira dos pingos: qual garrafa não pinga? Todo mundo já manchou a toalha de mesa da tia enquanto tentava encher a xícara de café. Há cinco meses comprei uma cafeteria. Na sua cozinha tinha uma garrafa térmica de um litro, daquelas pretas básicas. Comecei a coar café com base na receita do antigo dono: quatro colheres de sopa cheias para um litro. Renderia bastante. E rendeu. Rendeu tanto que não vendia sequer uma garrafa inteira por dia. E o café esfriava. Resolvi trazer então a velha garrafa térmica de casa, de 400 ml. Teria que passar mais cafés durante o dia mas eles seriam mais fresquinhos. Essa garrafa de casa, lilás, ganhei da minha mãe. Ela comprou uma nova e me deu a antiga, que ganhou de presente de casamento. Então, se estou prestes a completar 39 anos, a garrafa térmica tem 40. Quarenta anos de serviços prestados à nossa família, 16 só comigo. A

16 anos

Se você vive 16 anos num lugar que não é sua cidade de origem e sua vida continua a mesma de quando você chegou, será que não é o caso de ir embora? Não me entenda mal, existe felicidade. Muito mais felicidade que tristeza. Mas será que existe felicidade para você em outros lugares e você está perdendo tempo ficando parada nesta cidade? Longe dos pais. Longe da irmã. Longe da avó. Das amigas de duas décadas. Ao mesmo tempo você está muito perto, muito perto mesmo daquela cidadezinha que você tanto adora. Piscou, está lá, comendo bolo da tia. Piscou, está lá brincando com a filha da prima que é sobrinha de coração e você tanto ama. Neste lugar tem a afilhada e as amigas queridas que sempre socorrem. Tem santoíche e hachimitsu e buraco quente no happy hour de sexta. Será que a vida continua mesmo igual depois de 16 anos? Pensa bem. Se despe das saudades porque elas sobreviverão por onde você for. Pensa bem. Você tem uma casinha só sua. Você tem uma rotina só sua. Demora só dez minutos p

você não sabe nada

Sempre que alguém senta na frente do balcão, fuscas contornam a rotatória. Parece bobagem mas você os vê passar, enquanto escuta a pessoa falar. Alguém chega contando histórias que muitas vezes não fazem o menor sentido. Depois que a pessoa vai embora, você se pega repensando o que ouviu e tenta associar aquelas ideias à sua vida. Sente que tem algo a aprender. Ainda não sabe bem o que. Fuscas. Porque fuscas eu não sei. Só sei que desde que você brincou de ver fuscas no meio do trânsito para distrair a pequena impaciente sentada no banco de trás do carro, se vê contando os redondinhos pelo caminho. Sempre que vê um, não importa a cor, o sorriso vem. É como se o dia não pudesse dar errado uma vez que um fusca cruzou seu olhar. Sua idiota garantia de uma felicidade que nem sempre vem. Cada um tem sua superstição particular: fazer o sinal da cruz sempre que passar por uma igreja, pedir para Maria passar na frente antes de sair com o carro, dizer mantras assim que acorda para que