insight

Eu acho que finalmente entendi a Therê. De repente eu sei porque ela ainda está de luto, mesmo fazendo onze anos da morte do Milton. Eu entendo. Ela sofre com a falta dele e com a falta da vida que tinha como esposa e cuidadora. Ela não é mais esposa e sim viúva. E hoje precisa ser cuidada. Perdeu muita coisa em uma década, e vai continuar perdendo porque a idade avançada nos tira muito. Eu entendo a Therê.
Eu entendo seus filhos, que também viverão para sempre um luto. O do pai e da mãe que um dia Therê foi. Entendo o luto permanente dos netos, que perderam avô e tiveram que ressignificar a avó que conheciam. São onze anos de luto para esta família.
Depois de dois anos e meio, percebi que como a Therê, estou de luto. Que tudo que tenho vivido não passa de uma tentativa de me reinventar depois da perda do trabalho naquele jornal. Vivo dizendo para mim mesma e para os outros que foi a melhor escolha, que a vida é melhor assim, mas entendi que apesar disso, ainda dói, mesmo eu tendo pedido para sair. Ainda preciso lidar com a morte. A do avô, da avó, da profissão, das expectativas.
Já são três anos de luto desde o golpe, tentado sorrir enquanto o país inteiro marcha pela moral e os bons costumes. Enquanto isso, pessoas morrem: pelas mãos da fome, do desemprego, do preconceito, da intolerância, da violência. E eu assistindo tudo sem muito poder fazer, só seguir adiante distribuindo empatia por ai, ainda que seja muito difícil.
Este 2019 foi de um luto intenso. Muita gente próxima perdeu muito então eu sofri com elas. Ainda sofro por mim e por elas.
Neste ano perdi a prima. Ela já tinha ido dois anos e meio atrás mas eu não quis aceitar. Me apeguei às bolachinhas para não enxergar que a prima caçula querida foi embora. Minha amiga não dorme mais no quarto ao lado. Foram inúmeras tentativas de resgatá-la sem sucesso e precisei desapegar. Ainda dói admitir deu certo por pouco tempo. Mas algo novo precisa sair dessa história; algo que aprendi com a parceria mas que não precise de nós duas juntas para funcionar. Estou no caminho para descobrir o que será.
Quando soube que o jornal que me fez jornalista virou tabloide doeu. Principalmente pela saudade que eu carrego comigo. Dói ver os amigos sofrerem, perderem os empregos, e eu sem poder fazer nada. Mas entendo finalmente que posso deixar esta empresa onde ela deve estar: no passado. Afinal, foi apenas um local onde trabalhei, nada mais. Foram 14 anos, muitos deles felizes e cheio de descobertas e aprendizados, mas também de tristezas que machucaram muito, mas que cicatrizaram. Ou estão cicatrizando ainda. Entendi que foi uma etapa que acabou e eu preciso seguir adiante. Ainda vivo um luto, mas creio que está para acabar, agora que nomeei meus sentimentos.
Eu também entendi, de repente, que vivo um constante luto por um amor não correspondido que preciso deixar partir. Preciso deixar ir o medo paralisante de me relacionar. Preciso me deixar ser vista. É um luto deixar as inseguranças amigas de lado porque são boas desculpas para paralisar. Mas preciso imprimir movimento. Deixar passar as perdas dos amores platônicos não vividos.
No meio de tanto luto, eu colecionei memórias com minha mãe e minha irmã e ressignifiquei minha relação com meu pai. No meio disso tudo, ganhei um café: mais um sonho realizado. Sinal que a vida é mesmo boa com quem é boa para ela.
Trabalhando nele descobri que consigo realizar muitas coisas apesar do medo que sempre incomoda. Mas minha intuição me dizia que precisava mudar alguma coisa senão viveria o luto pelo jornalismo para sempre. E vender pão de queijo não tinha nada a ver com isso: difícil é equiparar minha atual ocupação com o antigo trabalho de contar histórias e mudar o mundo que fazia tanto sentido para mim e que eu só me dei conta depois que perdi. Busquei ajuda e um novo café vai nascer para me tirar do luto por saudades que devem ser apenas saudades.
Descobri, depois de muito lamentar, que apesar do luto, sou cor. Então nada mais justo que colorir este cafezinho que hoje é todo preto e mostrar ao mundo meu interior bom e vivaz. Acho que entendi que esses dois últimos anos de silêncio e mergulho em mim mesma, trabalhando pouco e em casa e viajando muito, refletiram o luto de tantas perdas que eu nem sabia que eram tinha sido duras assim. Se agora eu sei nomeá-las, fica mais fácil superá-las e dar sentido à vida, de novo.
"No meio da correria, um lugar pra se sentir em casa. Café, bolo de fubá, pão de queijo, prosa e afeto. Interior: de dentro, essencial, o valor das pequenas coisas. A pausa pro café como ritual de olhar pra dentro de si e valorizar as coisas essenciais da vida: a prosa, o afeto, o café coado, o folhear de um livro, ouvir e contar histórias. Interior é o que levamos para onde vamos, não importa a distância. Interior é a memória viva, o estilo de vida daqueles que celebram o encontro, o abraço longo, o tempo para olhar o tempo passar, recompor energias pra continuar o dia." Nas palavras do mais novo amigo escritor, é assim que vai ser de agora em diante.

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