lilás

Uma garrafa térmica não é apenas uma garrafa térmica, não é mesmo? É lembrança. Traz aquele pretinho dos cafés passados. Traz a sujeira dos pingos: qual garrafa não pinga? Todo mundo já manchou a toalha de mesa da tia enquanto tentava encher a xícara de café.
Há cinco meses comprei uma cafeteria. Na sua cozinha tinha uma garrafa térmica de um litro, daquelas pretas básicas. Comecei a coar café com base na receita do antigo dono: quatro colheres de sopa cheias para um litro. Renderia bastante. E rendeu. Rendeu tanto que não vendia sequer uma garrafa inteira por dia. E o café esfriava. Resolvi trazer então a velha garrafa térmica de casa, de 400 ml. Teria que passar mais cafés durante o dia mas eles seriam mais fresquinhos. Essa garrafa de casa, lilás, ganhei da minha mãe. Ela comprou uma nova e me deu a antiga, que ganhou de presente de casamento. Então, se estou prestes a completar 39 anos, a garrafa térmica tem 40. Quarenta anos de serviços prestados à nossa família, 16 só comigo. A usava muito pouco porque nunca fui de tomar café e nunca soube fazer café. Ela só saía do armário quando os pais visitavam ou os tios. Até que aprendi a gostar de espresso machiatto na cafeteria da Zely. E desde então passei a me interessar pela arte de coar cafés. E beber café. Cada dia um diferente pelo prazer da experiência. Em casa uso a moka italiana, mais prática para uma pessoa só. Ou faço meus cafés de cápsula quando estou com pressa. De manhã, uma das primeiras coisas que faço ao chegar no Buendía Café é ligar a chaleira elétrica depois de ligar o forno. Daí coloco o pão de queijo na forma, ligo a máquina de espresso, distribuo os salgados na estufa, limpo as mesas e o balcão onde coloco os guardanapos para os clientes e volto pra chaleira, que desliga sozinha avisando que a água já ferveu. Pão de queijo no forno, hora de colocar o pó no filtro, não sem antes banhá-lo em água fervente. Dez gramas para cada 100 ml de água foi a receita que aprendi no curso de barista. Dá mais ou menos umas três colheres de sopa bem cheias de pó. E passo o cafezinho da manhã dentro da garrafa térmica lilás da minha mãe. Para não derramar, eu sempre tomo os primeiros goles do primeiro café que passo às sete e meia da manhã. Sem açúcar mesmo porque gosto assim. Tem dias que estou mais inspirada e coloco um toque de canela no pó. Os apreciadores de café descobrem na hora, mas a maioria das pessoas nem percebe que estão bebendo canela. E nos dias bons, encho a lilás duas ou três vezes com café fresquinho. Outro dia, a cliente avisou que o café não estava assim tão quente e que eu deveria trocar a garrafa térmica. Experimentei o café e decretei: trocar a lilás? Jamais. 

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