obrigada, chamusquinha

Nunca pensei que iria abraçar uma gata. Muito menos amá-la como se fosse uma irmã. Mas o amor tem um jeito engraçado de acontecer quando a gente menos espera.

A Chamusquinha chegou quando minha mãe se viu sozinha em casa. As filhas já viviam em outras cidades há anos e o marido aposentado decidiu que seria legal passar a semana fora trabalhando no interior. Minha mãe, como sempre, aceitou e seguiu vivendo do seu jeito no Novo Mundo. Mas, de repente, o coração disparava, o suor escorria, vinha a tremedeira e a crise de pânico se instalava. Era a tal síndrome do ninho vazio. Foi então que o amigo trouxe uma gatinha pequenina de uma ninhada que apareceu no sítio dele. Ela era rajadinha de cinza e tinha olhos verde escuro. Foi aí que tudo mudou.

Eu segui tendo meus medos de bicho, mas sempre que ia visitar os pais, queria brincar com aquela pelúcia que arregalava as orelhas quando alguém chegava perto. Ela era a dona Gua de quatro patas: arisca e carente ao mesmo tempo. Miava para comer de manhã e logo em seguida se jogava no tapete da cozinha pra receber carinho na barriga. Mas se você chegasse muito perto, ela te mordia. Ou dava beijinho, como minha mãe dizia.

Chamusquinha era quietinha, ficava na dela, em cima do sofá, olhando a janela. Ou debaixo do cobertor no inverno. E quando todo mundo ia dormir, decidia que era hora de brincar e miava de alegria em busca do seu brinquedinho favorito que sempre ia parar debaixo do sofá. Isso quando não ia dormir assim que meu pai chamava. Ele se escondia no corredor e quando aparecia, ela pulava nele, brincando de esconde-esconde. E ela foi crescendo e passeando com eles para todo canto: visitou a praia, os índios do Mato Grosso, comeu pão de queijo em Minas Gerais, dormiu na minha cama em Londrina e brigou com o Constantino em Pira pra depois dividir seu tapete com ele na pandemia. E se sujou muito na terra vermelha do sítio, onde vivia se perdendo no meio da soja.

Ela aprendeu a viajar de carro sem reclamar e foi companheira da vó nas idas da praia pro sítio. No Guarujá, se esparramava na sacada em busca de sol ou se escondia no armário de toalhas de banho quando esqueciam aberto. De manhã, parava do lado da mesa da sala esperando um pedacinho de presunto enquanto minha mãe tomava café. O fato mais curioso sobre a Chamusquinha é que ela nunca gostou de criança, vai saber por quê.

Nos últimos tempos, ela só dormia e pedia carinho. Estava ficando velhinha, mas a gente não percebeu que 15 anos passaram voando.

Ela foi se escondendo pela casa, parou de comer e os pais fizeram o que puderam para cuidar, mas o corpinho não aguentou. A última vez que olhei em seus olhos, eles entregaram tudo: ela já não estava mais aqui. Minha mãe tomou uma decisão difícil, mas muito carinhosa e deixou sua gatinha partir dormindo. E hoje ela está guardada debaixo do ipê roxo que leva o nome da nonna, no quintal do sítio que ela adorava explorar.

Obrigada por amar minha mãe e cuidar dela. Obrigada por dormir nos pés do meu pai. Obrigada por me deixar te abraçar quando eu estava triste. Te amo, coelhinha.

Comentários

  1. Muita saudade e gratidão 😍😍😍

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  2. Caiu um cisco aqui. Que texto bonito, Mari. que relação bonita vocês construíram com a bichana. <3

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