16 anos
Se você vive 16 anos num lugar que não é sua cidade de origem e sua vida continua a mesma de quando você chegou, será que não é o caso de ir embora? Não me entenda mal, existe felicidade. Muito mais felicidade que tristeza. Mas será que existe felicidade para você em outros lugares e você está perdendo tempo ficando parada nesta cidade? Longe dos pais. Longe da irmã. Longe da avó. Das amigas de duas décadas. Ao mesmo tempo você está muito perto, muito perto mesmo daquela cidadezinha que você tanto adora. Piscou, está lá, comendo bolo da tia. Piscou, está lá brincando com a filha da prima que é sobrinha de coração e você tanto ama. Neste lugar tem a afilhada e as amigas queridas que sempre socorrem. Tem santoíche e hachimitsu e buraco quente no happy hour de sexta. Será que a vida continua mesmo igual depois de 16 anos? Pensa bem. Se despe das saudades porque elas sobreviverão por onde você for. Pensa bem. Você tem uma casinha só sua. Você tem uma rotina só sua. Demora só dez minutos para chegar no trabalho. Pensa bem. A cidade onde você nasceu é um caos. Tem trânsito e trânsito não é vida. Vida é acordar e ver o bosque, ainda que cheire a coco de pomba depois da chuva e uns malucos vivam lá. Tem os tiozinhos que jogam baralho e insistem em mostrar que aquele pedaço de natureza no centro da cidade ainda tem jeito. Pensa bem se vale a pena ir embora. Largar tudo o que você construiu aqui. Mas o que foi que você construiu mesmo? Veio para cá para trabalhar e trabalhou. Seu ciclo se encerrou naquele jornal e você continuou em outra profissão. Uma profissão que está aprendendo a exercer. E aprender leva tempo. Lembra do que sua irmã te falou: quanto tempo você levou para ser jornalista? Então não queira ser a melhor empreendedora da noite para o dia. Seja a melhor que você pode ser agora e siga. Você está seguindo mas vive pensando se deve continuar seguindo nesta cidade. Daí você faz contas e pensa que não vale a pena mudar. Estamos no meio de uma ditadura velada e é melhor aquietar-se por enquanto. Vai fazendo o que dá. Você se apega à sua escrita ainda que não saiba muito bem sobre o que quer escrever. À noite, você sonha com vontades que não tem coragem de realizar e as que realiza, sempre têm ajuda paterna. Você fica envergonhada, se sente menor, sem capacidade de andar com as próprias pernas, mas vive, sozinha, nesta cidade onde só você tem seu sobrenome e consegue até servir cappuccinos, que até outro dia você nem sabia preparar. As pessoas te conhecem por causa do seu antigo trabalho. Muita gente legal te convida para festas. Você acompanha o crescimento dos filhos dos seus amigos e ganha beijos melados deles. Eles te chamam de tia. Pensa bem: será o caso de ir embora? De começar tudo de novo? Por que você não sossega o facho e agradece pelo que tem? Por que deixa sua mente divagar tanto? Se agora você tem que vender pão de queijo, que seja. Amanhã pode ser bolo de coco gelado, como um dia foi o brownie que a filha da amiga da sua amiga comeu e disse que foi o mais gostoso da vida dela. Por que você simplesmente não vive um dia de cada vez como tinha combinado consigo mesma naquele workshop com a coach que virou vendedora de roteiros turísticos em esquema fraudulento de pirâmide? Meu Deus, o que que eu fui fazer naquele workshop? A amiga postou e você curtiu: há uma rachadura em tudo e é assim que a luz entra. Deixa rachar, então.
Comentários
Postar um comentário