je m'appelle Mariana

De repente me vi fazendo coisas nunca antes imaginadas nas minhas tardes de devaneios no sofá: passar um dia inteiro ouvindo sobre cinema, assistindo curtas produzidos no interior, e iniciar um curso de francês na sede de uma associação de bairro, num sábado à tarde. Me dei conta de que não estou preparada para ouvir falar de cinema todo sábado, por dois anos. Mas estou adorando as aulas de francês. Percebi minha facilidade em aprender línguas e quem sabe era disso que eu precisava para voltar à sala de aula e me inspirar com algo novo. E os novos colegas, sem contar la cherie professeur, são divertidíssimos, tudo o que eu precisava para dar leveza à vida. Rita me abraçou no segundo em que me viu, sem nem saber meu nome. Fez festa quando entrei na sala improvisada, que no segundo seguinte ganhou mais uma carteira, a minha, para que eu me sentasse junto aos meus tios e aprendesse um idioma que nunca me chamou a atenção até então. Esqueci de dizer que foram meus tios que me convidaram a estudar a língua da terra onde hoje a filha deles vive com a família. Creio que para aplacar a saudade da minha prima eles decidiram saber mais sobre o idioma que se tornou o primeiro do netinho deles. Por adorar cinema, já vi diversos filmes franceses e muitas palavras e expressões me foram familiares já no primeiro dia de aula. E diferente do espanhol, a semelhança com o italiano facilita a compreensão de algumas regras particulares. Sábado passado, quando entrei na sala, só conseguia pensar: o que estou fazendo aqui? Ao sair, senti como se conhecesse todo mundo há tempos. Imagine que hoje, em minha segunda aula, entra na sala uma menina de 21 anos com seu bebê de cinco meses no colo. Ela era mais uma das alunas especiais da Rita. Enquanto mamãe aprendia o verbe avoir, o pequeno Mateus brincava no colo de outra aluna que já havia tido a mesma aula tantas outras vezes. Porque com a Rita é assim: todo sábado tem aluno novo e todo mundo aprende junto. Para ela, ensinar e aprender não é uma questão de idade. É vontade. Mateus mudou de colo sem reclamar e era como se nem estivesse ali de tão quietinho. Nem parecia um bebezinho. Meus tios-estudantes estão perto dos 60, eu estou no final dos vinte e o resto da turma tem entre 15 e 20 anos. Neste sábado, em especial, um garoto de sete anos fofíssimo, que mesmo não conseguindo escrever com a mesma rapidez dos adultos foi brilhante na pronúncia, me conquistou tanto quanto a serenidade do nenê, que só fez finta de chorar quando deu a hora de mamar. Aliás, a pronúncia é a parte mais difícil do idioma e até fiz papel de boba trocando "de nada" por "bumbum" ao pronunciar errado "de rien". Mas tudo bem porque lá é um local de "puro amor", como a professora insiste em repetir a todo momento. De vez em quando tenho a estranha mania de viajar com a mente por uns instantes para divagar sobre o que acontece: percebi que o francês pode ser a religião que eu tanto preciso e ainda não retomei nessa fase da vida. Solidariedade e desprendimento é o que move os alunos e a professora Rita a estudar num sábado à tarde, quando tudo o que se quer é aproveitar o dia, não importa como. Por enquanto aproveitamos com salgadinhos, fatias de pão com manteiga, rocamboles, café, suco e refri. E a boa vontade de uma voluntária cheia de amor para dar. Num local improvisado, onde há roupas separadas para doação a famílias carentes e carteiras de madeira antigas, e onde a chuva encharca o chão sempre que há tempestade, sinto paz.  Me sinto feliz! Je suis heureuse!

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