um passeio de BMW
Há dois meses me vi em mais uma situação inusitada e apavorante. Deixaria o mundo virtual de volta ao impresso e de uma só tacada, teria de aprender sobre economia e carros. Teria de aprender a editar uma matéria. Escolher o melhor título, ressaltar dados importantes na linha fina, destacar o conteúdo da melhor foto numa frase, cortar, incrementar textos. Teria de pautar repórteres, discutir ideias de matérias para o fim de semana. Teria de dar um passo à frente sem ter certeza se estava pronta para dá-lo. Editar o site era confortável. Bem, não confortável, porque a cobrança me deixava sem dormir nos últimos meses. Era, no mínimo, familiar e estava apenas me adptando à rotina de ser editora aos 31 anos quando tudo mudou após uma simples conversa com a chefe numa dessas noites de quinta-feira. - Você vai, vai ser legal, eu confio em você! Entendi as palavras da chefe como mais uma chance de fazer a carreira dar certo, de me reassegurar de que a escolha de viver em Londrina foi acertada, essas coisas bobas que passam pela nossa cabeça quando somos promovidos - ou remanejados de função, como no meu caso. Eu me imaginei flutuando sobre um mar de incertezas e as benditas pautas foram a segunda coisa que passou pela minha cabeça ao voltar para o antigo "sistema". A primeira foi: Será que dou conta? Que raio de pessoa sou eu se ficar com medo? Dois meses depois, as pautas ainda me acordam de noite e me dão calafrio, mas peguei o ritmo dos títulos, das linhas finas e das legendas. Encaro um dia de cada vez, como a colega editora me aconselhou, e tento criar uma nova rotina na nova empreitada. Mas num desses dias de desespero, numa conversa sincera com a chefe, disse sem medo que me sentia perdida e precisava de ajuda. Foi quando a BMW cruzou meu caminho. Precisava escrever sobre um lançamento que ainda não havia sido publicado e apelei para uma competente assessoria de imprensa do ramo. Consegui um final de semana prolongado com uma BMW 328i. Três dias para ir e vir num carro de luxo com tanque cheio. E foi um barato. Da concessionária para casa dirigi o caminho inteiro com dor de barriga. Para mim, o carro parecia aquele bibelô de cristal que a gente tem medo de quebrar só de olhar. Mas a BM não é nenhum bibelô, muito menos de cristal. E não só consegui encará-la como até cansei um pouco da sua perfeição. Mas voltando à aventura. Nos primeiros 15 minutos, estranhei a parafernália. São tantos botões que eu me pergunto se o carro realmente precisa de um humano atrás do volante. Não consegui desligar a bichinha. Não sairia do carro enquanto todas a luzes não estivessem apagadas. Por sorte, o botão que desligava o rádio era como o de qualquer outro carro, ridículo. Luzes apagadas, alarme ligado, só veria a BM de novo na manhã seguinte e aquela noite não consegui dormir direito. Acompanhada da prima, fomos descobrindo para que serviam tantos botões enquanto nos divertíamos a caminho de Sampa. Por onde a branquela acelerava não sobrava carro para contar história. Os caminhos se abriam e iamos eliminando um a um nossos concorrentes velozes na estrada. Função sport acionada, era hora de sentir a rotação do motor. E como foi bom rodar a 180km/h na Castelo Branco - rezando para não vir multa. E a prima acompanhando o desempenho da alemã no computador de bordo a cada mudança de velocidade. Aconchegante foi a palavra que ela descreveu para a máquina, já que passou as seis horas confortavelmente esparramada no banco de couro da belezinha, olhando para o céu azul que transparecia pelo teto-solar. Parece besta, mas a sensação de viajar num carro impossível (porque para mim BMWs não aparecem nem nos sonhos) é de que nada é impossível. Se nós duas estávamos ali curtindo aquele momento é porque era para ser assim. Em casa, fiz o que qualquer um faria com um carrão desses em mão: esnobei. E levei todo mundo para passear. Foi divertido até a vó pensar que eu realmente tinha comprado a BM: momento de voltar à realidade. Meus pais não deram tanta bola e minha irmã fez questão de dizer que não aguentava mais me ouvir falar da BMW, então a branquela ficou guardada até a viagem de volta à Londrina. Dessa vez, éramos só nós duas correndo pela estrada escura. Vento desarrumando o cabelo e a sensação de que estávamos no caminho certo, apesar dos buracos na estrada. Esse passeio de BM foi mais que um test drive, mais que uma matéria que terei de escrever para preencher uma página da edição de domingo do jornal. Foi a chance que a vida teve de me mostrar que sou capaz de encarar edições, de encarar os velhos chatos conhecedores de automóveis, de encarar o "sistema", apesar do frio na barriga sempre que não souber apagar todas as luzes do painel.
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