mais um dedo de prosa


Um bule de café sobre o fogão à lenha


A mãe havia morrido subitamente. Jovem, com pouco mais de 40 anos, havia acabado de dar à luz a caçula. Uma simples dor de estômago levou-a ao hospital e pegou a família de supresa. Não havia nada que o patriarca pudesse fazer se não criar os oito filhos do casal sozinho. 
Os dois mais velhos - ainda adolescentes - precisaram assumir o cuidado dos irmãos enquanto o pai cultivava a terra. O menino ajudava na lavoura. A menina preparava as refeições, lavava e passava as roupas, limpava a casa. E deixava um bule com café sobre o fogão à lenha para quando o pai retornasse da roça. 

Os menores também tinham suas obrigações. Depois de frequentar as aulas do jardim de infância pela manhã, cuidavam do sítio: um alimentava os porcos, o outro recolhia os ovos do galinheiro, o terceiro regava a horta e o menor ajudava os outros três. A menina ajudava a irmã mais velha na cozinha e cuidava da bebê de apenas um ano. Diversão era pouca mas tinha: depois de chupar a manga que caía do pé, os meninos usavam o caroço como bola de futebol no campo de terra vermelha improvisado. As meninas bordavam. 

Levantava-se cedo. Dormia-se cedo. Não havia eletricidade, então a cama era a melhor amiga das crianças na noite escura do sítio. Não havia tempo para chorar a morte da mãe. O que havia era a necessidade de prosperar a qualquer custo. 

Na mesa comprida, todos comiam a polenta misturada ao leite para dar sustância. E o bule de café esquentando sobre o fogão à lenha e qualquer hora do dia. Aos domingos, a família subia na charrete e cruzava os sítios vizinhos rumo à igreja. Depois da missa, voltavam todos para casa para trabalhar. Na época, o algodão coloria de branco o campo e quem não cuidava da casa, colhia. 

Anos se passaram e o mais velho casou e trouxe consigo a esposa, que abraçou o cuidado dos cunhados mais novos e dois filhos pequenos. A mais velha também casou, mas foi viver com a família do marido. Como não gostava de cozinhar para um batalhão, resolveu trabalhar na roça, enquanto uma das cunhadas cuidava da casa, dos filhos e dos sobrinhos. Outros dois foram para o colégio agrícola e o resto ficou com o pai, no sítio, fazendo o de sempre. De vez em quando uma visita à cidade para tomar um sorvete. 

Foram dias difíceis. Silenciosos. Pesados. De trabalho e saudade. Mas também foi uma jornada de união, carinho incondicional e aprendizado. E de café quentinho no bule sobre o fogão à lenha. 

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