oitenta anos

Tudo o que preciso saber sobre ela se resume no fato de estar viva. Se não fosse sua insistência com a tal parteira, talvez eu não estivesse aqui hoje para escrever sobre ela. Ela, minha vó Therezinha, a Therê do Milton, a mãe do Zezinho e da Guacira. A madrinha e mãe da Terezinha, que ganhou seu nome numa homenagem que virou família. Minha vó e avó da Natalia, do Adriano, da Amanda, da Ana Paula, da Bruna e, agora, também da Isabelly. A dona Therezinha, dona de uma força de vontade capaz de subir paredes, capinar mato do quintal, preparar bolinhos de banana num piscar de olhos só para agradar os netos. Eu a conheci 32 anos anos atrás, quando nasci, cinco dias após ela completar 48 anos. Ela deve ter me visto no hospital mas precisou correr para cuidar do marido, que havia comido umas laranjas passadas e teve uma crise estomacal. O Milton ficou uns dias internado e só foi curtir a primeira neta depois que a filha estava recuperada da cesariana. Coisas da vida. Histórias desencontradas da família Barbosa que lutou desde sempre para permanecer viva. Ela me conheceu quando nasci mas eu a conheci quatro anos atrás, quando meu avô morreu. O marido de 54 anos de união. A pequenininha, que sempre teve o controle da situação, perdeu-se. E foi difícil reencontrá-la. Acho que até hoje não sei onde ela foi parar. É, mais do que nunca, fruto das minhas lembranças de criança. Porque aquela vozinha que preparava bolinhos e polenta mole, pão torrado e carne de panela com batatas já não existe mais. Ela continua me abraçando e dizendo como estou bonita. Vez ou outra me liga para saber da vida, mas desliga no minuto seguinte. Está distante. De repente, aqueles olhos azuis antes tão brilhantes, aquela vivacidade, traduzida na capacidade de fazer tudo ao mesmo tempo agora, está indo embora com os anos. Minha vó tem 80 anos. Oitenta. Incrível. Contina linda e simpática e conversadeira e reclamona, mas já não tem tanta força para capinar mato ou pintar paredes. Tudo bem. Isso me assusta, mas está tudo bem. Porque apesar da tristeza que ainda carrega no fundo dos olhos - e do coração - pela morte do companheiro, ela levanta todas as manhãs, liga para os filhos, dá uma olhada nos netos, conversa com as amigas e baila. Baila para preencher o tempo. Baila para movimentar o corpo e se livrar das dores. Baila para fazer amigos. Para dar sentido à vida. E mesmo já sem forças para preparar aquela carne de panela que demora uma manhã para ficar pronta - e é a guloseima mais deliciosa da face da terra -, ela se permite fritar uns bolinhos de banana quando a neta pede. Ou umas rabanadas para o neto. Ou a sopa de feijão da caçula. Ou até se permite ir deitar antes da novela das nove. Porque 80 anos não é para qualquer um. E ela definitivamente não é qualquer uma. Segue me ensinando a força que o amor tem sobre os acontecimentos. Segue me esfregando na cara que não há obstáculos quando se tem um sonho. Seja ele uma casa confortável para a família, uma boa profissão que garanta o futuro dos netos ou um baile às quintas-feiras.

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