a farmacêutica

É mais uma que se vai. Que coloca seus pertences em uma caixa, enche as malas de roupas e vai seguir a vida. Ela chegou há cinco anos, de mansinho, sempre cuidando da própria vida de forma muito independente. Nunca me deixou cumprir o papel de prima mais velha. Há quatro anos mudou-se para o quarto ao lado e de lá saiu poucas vezes. Estudou como prodígio, dormiu como bicho-preguiça, namorou, brigou, chorou, frequentou festas de república, preparou comidas estranhas como strogonoff de soja, sempre muito independente. Lembro de tentar convidá-la para um ou outro almoço de domingo, mas não rolou. Ela no quarto ao lado e eu na sala. Vivendo juntas, separadas. Não sei se são os oito anos de diferença na idade, se são os interesses diversos de duas vidas, se são nossas personalidades, só sei que não conversamos muito nesse tempo todo. Mas quem sabe tenhamos conversado o suficiente. Peguei essa menina - hoje um mulherão cheio de atitude - no colo. Eu a mais velha, ela a caçula. Cabelão comprido, tagarela, grunge e hoje dona de um dread maluco e uma tatoo novinha que representa um monte de coisa que não entendi direito, mas que tem a ver com passado, presente e futuro. Um pouco do que tenho aprendido com essa nossa convivência neste último ano. Melhor deixar os dissabores no passado, ao lado das boas recordações da infância que vivemos juntas no quintal da vó, com nossos irmãos. O presente é a partida e a necessidade de se acostumar com a ausência da quietude do quarto ao lado. Já ela terá que se reacostumar à vida em família e à loucura da metrópole. Desejo-lhe boa sorte. Reclamei esse tempo todo desse isolamento, mas justo hoje, quando completo 32 anos, o quarto ficará vago, assim como um pedaço do meu peito. E terei de preenchê-lo com lembranças bacanas, como o bolo trufado improvisado num aniversário, um fondue numa noite fria, a cerveja e a pizza no dia do resultado do mestrado, um show cover de Los Hermanos no bar, a tequila dos 30, a viagem de BMW. O futuro é o que sonhamos para ele. Cada uma seguindo a sua própria direção, rumo ao desconhecido necessário para nos fazer crescer. Independente como sempre, você carregará suas malas até o aeroporto enquanto estarei comemorando mais um aniversário com os amigos pés-vermelhos. E quando eu voltar para casa, encontrarei sua cama sem a cachorrinha de pelúcia que sua mãe te deu quando você chegou aqui para aplacar a saudade de casa. Não encontrarei sua bagunça, nem você esparramada na cama, mexendo no notebook. Mas vou sorrir porque saberei que seus pais estarão te recebendo de volta com os braços abertos, cheios de orgulho e saudade para matar. Boa sorte, farmacêutica. Que seus sonhos se realizem e a felicidade te acompanhe nessa nova etapa. Eu permanecerei por aqui, vivendo a vida que escolhi para mim, esperando que o quarto ao lado seja ocupado de novo, em breve. Quem sabe por quem...

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