um dedo de prosa apaixonado
Quando o relógio bate seis da tarde, a namoradeira se empeteca e vai para a janela. Se debruça no parapeito para ver o movimento da rua. Os rapazes e moças voltando para casa depois de um exaustivo dia de trabalho. E ela a cobiçar os moços mais bem apanhados. Um deles chama sua atenção pelo jeans surrado e camisa xadrez, mas olhos de um verde brilhante, que guardam um certo mistério. A namoradeira, vestida de chita, cabelo liso amarrado com fita e batom vermelho nos lábios, espera que um dia esse trabalhador repare na janela dela.
Quando o apito da fábrica grita é hora de descansar. O metalúrgico troca o macacão sujo de graxa pelo jeans surrado e a camisa xadrez. Coloca as botas e parte para o ponto de ônibus que o levará para o sítio. E ele poderá dar uma última olhada na moça que todas as tardes guarda o horizonte da janela amarela.
Em sua incursão pela vida alheia, a namoradeira reparou no jovem que corria feito louco para alcançar o ônibus que parava, todo fim de tarde, em frente à sua janela. O motorista nunca atrasava e não esperava ninguém.
Cansado de correr atrás do circular, o metalúrgico decidiu dormir no banco da praça, já que não iria para casa naquela noite. Passou na padaria para comer pão com manteiga e café com leite, e seguiu para a pracinha. Escolheu o banco ao lado do chafariz e das rosas vermelhas. Bem em frente à janela amarela.
A namoradeira reconheceu o rapaz. E por três segundos, fingiu que o horizonte que admirava eram os olhos do tal moço. Ela se espantou e corou quando o horizonte do rapaz se tornou os olhos dela. A janela se fechou.
Algumas horas se passaram desde o encontro de olhares. A namoradeira decidiu dar uma última olhada na lua antes de por o pijama e ao abrir a janela, encontrou uma rosa vermelha no parapeito. Sentiu seu perfume e ao levantar a cabeça, reconheceu o verde brilhante dos olhos do metalúrgico.
Ele sorriu e se apresentou. Contou que viajava todo dia do sítio para a fábrica, onde trabalhava para completar a renda da família, que havia perdido toda a safra por causa da chuvarada. Assim que a nova plantação germinasse, ele largaria o emprego temporário e voltaria a cultivar legumes e verduras na companhia do pai. Também contou que sonhava com a menina da janela amarela enquanto cochilava no ônibus a caminho do sítio. Se conquistaram. E desde aquele dia, a namoradeira passou a guardar seus olhares apenas para o moço do jeans surrado, seu namorado, que a presenteava todo fim de tarde com uma rosa vermelha, colhida no jardim da praça.
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