melodramática

Minha irmã diz que sou melodramática. Talvez eu seja mesmo. É que constantemente relembro o passado, quando tudo parecia fazer sentido. Mas esse mesmo passado para o qual eu corro sempre que tenho saudade, nunca foi assim tão perfeito para eu desejá-lo de volta. Hoje eu vivo meu presente. Mas às vezes fico saudosa e, portanto, melodramática. Eu lembro da minha adolescência solitária e em frente à tv, tendo brigas homéricas com a minha mãe por motivos idiotas e fugindo para casa dos meus primos, que eram nossos vizinhos. Eu lembro que me sentia segura com eles, que podia contar todos os meus mais íntimos segredos, que nossa conversa nunca sairia daquele apartamento de dois quartos no Parque Novo Mundo. Eu lembro deles sempre me animando e me convidando para sair. Tudo o que eu conheci da noite paulistana aos 18 anos eu devo ao Marcio Aurélio e à Anna Maria. Eles eram meus irmãos mais velhos e com eles eu não precisava ser perfeita. Não tinha briga, só diversão. Aliás, a única vez que briguei feio com o Márcio foi por causa da minha irmã, então não conta. Ha. Não briguei com ele quando ele faltou na minha formatura da faculdade, não briguei com ele quando ele me ligava após cada derrota do Palmeiras só para me ouvir chorar, não briguei com ele quando o Verdão perdeu para o Corinthians aquele campeonato paulista em que fomos no Morumbi e tivemos que ver o jogo no meio da torcida corintiana e eu nem pude exibir minha camisa alviverde. Não briguei com ele quando ele não veio me visitar em Londrina quando eu me mudei de São Paulo para tornar-me jornalista. Não briguei com ele nem quando ele se separou da minha prima e deixou de fazer parte da minha família. Eu estava deitada no sofá da casa dos meus pais, vendo tv, depois de ter ido fazer uma matéria pelo jornal em São Paulo, quando minha mãe chegou em casa e me deu a notícia. Não podia ser verdade. Eu chorei como se ele tivesse morrido e desde aquele dia tenho tentado entender o que aconteceu com o casamento dos sonhos. Eles eram meu modelo. Meus primos queridos, irmãos de coração, que teriam filhinhos lindos que eu iria amar com todo o carinho. Mas a história era deles e tomou outro rumo. Um rumo que não me pertence e no qual tenho outra participação agora. Demorou para cair a ficha, mas caiu. Sou amiga da Anna, amo-a de paixão e desejo toda a felicidade do mundo para ela. Para o Márcio também. Meu caminho e o da Anna continuam na mesma direção, afinal temos o mesmo sangue. Ela continua sendo minha irmã mais velha. Mas o meu irmão escolheu outra estrada. E somente de vez em quando faz um visita à velha conhecida. Me lembro dele aguentando meu mau humor pela manhã, quando me levava para a escola. Ele conhecia meus amigos, sabia das minhas paixonites, me levava para beber batidinhas, comer hambúrguer e tomar milkshake. Me dava caronas para Pedrinhas. Antes disso, era ele quem viajava conosco para visitar a Anna, quando ainda eram namorados. Sempre tinha ruffles e coca-cola quando ele viajava com a gente. E cada uma de nós encostava a cabeça num ombro dele para poder dormir. Uma vez viajamos eu, ele, e a vó dele, uma senhorinha com jeitinho mineirinho que iria passar uma temporada com a filha em Pedrinhas. Ouvi histórias divertidas naquela viagem. Teve ainda a volta de ônibus numa de nossas idas a Pedrinhas. Eu e a Anna num banco e o Márcio lá no fundo. De repente ele vem, todo faceiro, pedindo para trocar de lugar porque estava roncando muito e precisava sentar perto da esposa para ela cutucá-lo sempre que ele roncasse. Não deu muito certo porque eu, lá do fundo do ônibus, continuava ouvindo a sinfonia marciana. Outra viagem, inesquecivelmente triste, foi a caminho do cemitério. Cinco intermináveis horas para chegar ao velório da mãe dele. A doce dona Célia tinha nos deixado e ele estava em Pedrinhas. Era dia de eleição. Voltamos sem que eles votassem e eu rezando o caminho inteiro pedindo que tudo aquilo não fosse verdade. Nossa última viagem juntos foi um Ano Novo delicioso em Salvador. Eu, nossa prima Nelise, Anna e Márcio experimentando tudo o que a Bahia tinha a nos oferecer. Ele fez uma tatuagem com o nome Anna. E no fim daquele ano, eles se separaram. Parece mais triste do que realmente é porque de alguma forma ainda somos amigos. Quando meu avô morreu e meus pais estavam presos numa ilha sem poder voltar para o enterro, foi ele quem nos ajudou a trazer minha mãe de volta. Ele ficou até o final de tudo e nos levou para almoçar. Me lembro de quando fiz uma operação, aos 18 anos, e ele me perguntou o que eu gostaria de comer quando voltasse para casa. Bife a parmegiana, eu disse. E lá estava uma travessa cheia quando eu cheguei em casa. As comidas que ele preparava sempre foram deliciosas e outro dia até me lembrei dos domingos em que eles nos convidavam para comer estrogonofe. Também foi ele quem me deu a minha primeira cartela de camisinhas, no meu aniversário surpresa de 18 anos. Claro que nunca usei e guardo como lembrança daquele dia incrível. Lembro que passei a noite chorando feliz porque tinha finalmente ganhado uma festa surpresa. Ele quem fez o churrasco que acompanhou meu bolo com bandeira do Palmeiras. Ele estava lá nos meus 30 anos, preparando o churrasco, como sempre. Como não ser melodramática quando o seu melhor amigo segue o rumo sem você. Esta semana fiquei sabendo que ele será pai. Seu sonho. E fiquei silenciosamente feliz. Seu bebezinho não será branquelo nem terá nomes inspirados em carrocerias de caminhão, como um dia brincamos, mas será muito amado. Tenho certeza. Por isso, não é melodrama, é apenas saudade. Claro que o caminho dele é feliz, como o meu também é. E quem sabe nos encontraremos mais do que imaginamos ser possível no futuro. Só sei que gostaria de ter participado de mais momentos da vida desse amigo, para poder retribuir nem que só um pouquinho tudo o que ele fez por mim quando eu mais precisei. Mas quem disse que a vida é perfeita, né. Parabéns pelo sonho, amigo. 



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