um bosque
Todo dia eu preciso atravessar o bosque para chegar ao trabalho. Todo dia existe a minha casa, de um lado do bosque, e a minha vida, do outro lado do bosque. Bem, estou exagerando. Mas a verdade é que todos os dias esse aglomerado de árvores antigas me cerca. Quando acordo, é a primeira coisa que vejo pela janela. Depois, preciso atravessá-lo, pelo menos duas vezes, para chegar ao trabalho, que fica a um bosque de distância do meu pequeno apartamento. Poderia ver a sede do jornal da minha sacada, não fossem as velhas árvores. E todo dia, ao chegar do trabalho, coloco o pijama, me ajeito no sofá e puxo o cobertor. Comigo, a tevê e as árvores lá fora, balançando com o vento. Quando chove, a janela tem que ficar fechada, porque o cheiro do coco das pombas é insuportável. Mas fora isso, e o fato de eu ter que lavar meus sapatos todos os dias e correr para atravessar a calçada suja toda noite, o bosque enriquece meu dia. Me dá a sensação de que não estou mais na metrópole, de que tem vida ao meu redor e que a escolha que fiz ao mudar para Londrina foi acertada. Como tudo na vida, há os prós e contras de viver em frente ao bosque. Mas como escolhi viver no centro, os prós são muito mais valiosos: tenho tudo perto e sequer preciso usar o carro para realizar tarefas básicas como ir ao banco, supermercado, à farmácia, ao cabeleireiro ou ao shopping. Do trabalho estou a uns três minutos e meio. Tenho um bom café bem debaixo do meu nariz e um restaurante que serve uma comida árabe deliciosa às quintas-feiras e tantas outras delícias nos outros dias da semana. Tem costureira perto, lava-rápido, ótica, tem hospital, bares. Posso fazer tudo a pé. E o bosque está sempre lá, ladeando tudo. Eu pensei que esse pedaço de natureza no centro de Londrina me separasse do resto da cidade, mas ao escrever esse texto, entendi que ele é que me une à terra vermelha. Me faz querer ficar. Gostaria que ele fosse mais bem cuidado porque assim poderia aproveitá-lo como ele merece e não simplesmente correr por ele todo dia. Já vi revoadas lindas, já vi gente namorando, e vi amigos jogando truco. Já vi viciados saírem do meio do mato em busca de dinheiro e grupos evangelizarem moradores de rua a partir do alimento. Já vi vendaval quase derrubar árvores, já vi tempestade assustadora. Já levei inúmeras cagadas de pombas. E daqui a pouco, vou passar por este bosque, rumo à rotina, de novo. E vou tentar enxergar beleza no caos. Como sempre.
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