Su

Eu não me lembro quando foi que a conheci. Só me lembro de sempre ter ao meu lado uma menininha do meu tamanho, com os mesmos cabelos loiros cortados em formato de tigela e os olhos azuis. Só que os dela, muito mais azuis. Azuis que brilhavam sempre que ela chorava quando íamos embora. Ela foi a minha primeira grande amiga. Para quem escrevia cartas contando sobre o menino mais bonito da escola ou sobre o último gol do Edmundo pelo Palmeiras. A gente nunca se ligava. A gente se escrevia. E esperar pelas suas cartinhas era muito mais emocionante que dizer oi pelo telefone. Porque sempre que meu pai ligava para o pai dela ou o contrário, a gente trocava umas palavrinhas. Mas eu confesso que preferia as cartas. Talvez porque eu mesma sempre me expressei melhor com a escrita. Era dela que eu sentia saudades quando criança. Era com ela que eu queria brincar nas férias. Subir na bicicleta e pedalar pela cidade de nome diminutivo, fazendo a "via sacra" pela casa das tias e parando por último na tia Marisa para comer bolo e brincar com o pequeno Du, que ainda não era o Duzão que hoje bebe cerveja com a gente. Meu pai costumava viajar de noite. Assim que saíamos da escola e ele chegava do trabalho, montávamos no carro e cruzávamos as estradas paulistas rumo a Pedrinhas. E ela sempre estava lá, esperando a gente chegar. Qual não era a nossa festa: íamos para o quarto e conversávamos até o sono chegar. Contávamos histórias da escola, piadas e ríamos tão alto, que a tia levantava da cama para mandar a gente dormir. Foi sempre assim em cada visita. De vez em quando ela vinha para São Paulo nos visitar e a diversão era garantida. Fomos crescendo e construindo nossas personalidades. Ela sempre linda, inteligente, divertida. Eu, tímida. Ela foi a adolescente típica, que gostava de sair para dançar e ver gente nova. E eu preferia a quietude. Por um tempo não consegui acompanhar e até hoje ela tira sarro, mas depois que ela começou a namorar, fui eu quem decidi que deveria ir curtir a vida. Nossos tempos não se cruzaram como antes, mas continuamos juntas. Foi ela quem abriu as portas da casa dela para me receber quando mudei para Londrina. Foi ela quem me ensinou a cozinhar arroz e feijão. Ela que aguentou minhas reclamações, minha mania de limpeza e meus medos, sempre pronta para me ouvir. Mesmo que às vezes ela tenha dormido no sofá. No dia em que ela decidiu morar com o namorado, não fiquei triste. Ela estava seguindo seu caminho com um sorriso no rosto. Quer dizer, ela chorou ao me abraçar, mas se não chorasse, não seria ela. As lágrimas sempre caiam quando ela se despedia de alguém, deixando os olhos ainda mais azuis. Veio o casório e meu presente de ser madrinha. E veio a pequena. Uma fofurinha que alegra nossos dias. Ainda que eu não consiga vê-la tanto quanto gostaria, me sinto privilegiada por vê-la crescer. Quando lembro da Su criança, dela adolescente e dela iniciando sua vida adulta, sinto um orgulho tremendo por tê-la como amiga. É a prima que mais parece irmã. É a irmã que nasceu de outro pai e outra mãe. É aquela de quem puxo o saco e de quem quero sempre estar perto. Como eu, ela completa 33 anos este ano. E tão jovem, já é mãe. Uma mãe que nasceu pronta com a pequena Isa há dez meses. Já eu, ainda estou descobrindo meu caminho. Ela mudou. Eu mudei. Mas ainda guardamos dentro do peito pequenas vontades, como as conversas antes de dormir, a paixão pelo Palmeiras, os jogos de Natal da família, a vontade do bolo da tia Marisa. Se bem que ela pode não ter mudado tanto assim: ela ainda chora sempre que alguém vai embora. 

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