dias de praia

Hoje é aniversário da minha madrinha que tem nome de rainha. Regina. Ela que é mãe de três, tem dois empregos e uma cachorrinha que é uma flor. Ela que é esposa do tio Zé, o único irmão da minha mãe. Meus padrinhos.
Aliás, diferente da italianada da cidade de nome diminutivo, minha família paulistana é relativamente pequena. E sempre esteve presente enquanto eu crescia na metrópole. 
Nos reuniamos quase sempre aos domingos na casa da vó Therê e do vô Milton, no Novo Mundo. A casa que tinha o jardim de rosas mais cobiçado da redondeza. E nós brincávamos de mamãe polenta e lenço na mão no quintal e depois nos sentávamos à mesa da cozinha para comer bolinho de banana, coscorão ou pão torrado com manteiga. Também balançávamos nas redes e inventávamos teatrinhos imitando a Praça é Nossa. 
Me lembro quando os tios moravam no mesmo prédio que a gente, um andar acima. Lembro de sempre ir brincar com o Adriano, o filho mais velho da tia Re. Lembro até do dia em que ele ganhou o fuscão preto e mostrou para gente pela janela. 
Lembro de quando eles mudaram para o sobrado de Guarulhos e nós iamos comer pizza lá aos sábados à noite. Nossos pais jogando baralho na cozinha e nós brincando no quarto das crianças. 
Tínhamos nossas máscaras do Changeman e corríamos pela casa, fingindo ser super-heróis japoneses. Às vezes misturávamos tudo: Changeman, Jaspion, He-Man e Thundercats. O Adri tinha uma coleção de bonecos do He-Man que eu adorava, principalmente quando a gente brincava com eles no Castelo de Greyscow. Ele tinha a espada e a garra do Lion, que eu também adorava. E nós brincávamos pacas, mesmo eu sendo a mais velha de todos. Era todo mundo brincando junto.
Lembro que de vez em quando eu ia dormir na casa dos tios e me apertava entre os primos no Fiat 147 marrom do tio Zé. Adorava.
Outras vezes a Amanda e a Ana Paula, irmãs do Adri, dormiam na vó e eu ia para lá para ficar com as pequenas. Ficávamos todas no quarto de visitas, enchendo o saco da Tê, a outra irmã da minha mãe. Era muito divertido. 
Lembro de quando a Ana Paula nasceu, a caçula, que era uma bolinha e tinha um cabelão comprido. Eu gostava de prestar atenção quando a tia trocava a fralda dela e um dia até quis beber na mamadeira dela de tão gostoso que parecia aquele leite. Veja só: a tia foi lá e fez uma mamadeira para mim. Eu, com uns 9 anos, bebi aquele leite deitada no sofá que nem a Ana fazia e de repente aquela vontade não fez tanto sentido. O leite na mamadeira não era assim  tão mais gostoso que no copo. E eu parecia ridícula bebendo naquela mamadeira. Hoje dou risada. É uma lembrança divertida.
Nossa família tinha o costume de passar todo Ano Novo na casa de praia da vó em Itanhaém. Depois, ficávamos as crianças, as mães e os avós passando as férias de janeiro na praia enquanto os pais voltavam para Sampa para trabalhar e vinham só aos finais de semana.
E era uma aventura: tentar acordar cinco crianças cedo, tomar café, colocar o biquíni, passar protetor e caminhar até a praia. Não era uma simples caminhada. Tinha que levar esteira, guarda-sol, cadeira, toalha, mais protetor e ainda atravessar a pista e a linha do trem. Duas mães e cinco crianças. Hoje vejo que não devia ser fácil para elas. Assim foram nossas férias por pelo menos 20 anos, desde quando nasci até quando o Adri completou 18 anos e nos acordou com Nirvana. Demos uma ovada nele em troca. 
Lembro da tia preparando os copos de leite para os primos: um queria nescau com açúcar outro sem açúcar. Já não me lembro quem tomava qual. Lembro que ela trocava todos e passava protetor em todos e agarrava na mão das pequenas e seguia para a praia com a sacola de toalhas. Ficava sempre para trás, no seu passo mais lento. E porque tinha que ficar de olho nos três pequenos. Eu e minha irmã éramos maiores e arrastávamos o pau do guarda-sol, desenhando o caminho até o mar. 
A tia também não gostava muito de nadar e ficava sempre na beirada do mar com os pequenos. E minha mãe sempre gritando para gente voltar para a beira da praia e tomar cuidado com as ondas.
Quando voltávamos, cansados e cheios de sal e areia pelo corpo, gritávamos no meio do caminho quem seria o primeiro a tomar banho. Em casa, a tia separava as roupas dos primos sobre as camas, dava banho em cada um deles e os enrolava na toalha até o quarto. O chinelo limpo da areia era colocado na porta do banheiro para não sujarmos os pés. 
E depois de refrescados pelo banho, esperávamos o almoço, quase dormindo. A tia era quem preparava porque minha mãe não gostava nada de cozinhar. Ela cuidava da limpeza. E a gente sempre reclamava que só comia picadinho de carne moída com batata e arroz e feijão na praia. Mas hoje eu lembro disso e sinto saudade. Coisas que só o tempo ensina. 
Fomos crescendo e a praia foi perdendo a graça. Cada um de nós queria experiências diferentes. A tia também começou a trabalhar e as férias de janeiro nunca mais foram as mesmas. 
Eu vim para Londrina e já não nos encontrávamos como sempre. Mas uma ligação no aniversário era garantida. Os cinco me desejando felicidade a 600 quilômetros de distância. Até que a Ana veio estudar no Paraná e finalmente a tia veio conhecer a minha casa. Mas ai a farmacêutica se formou e a casa ficou vazia de novo. Agora só nos vemos algumas vezes ao ano, quando eu vou para São Paulo ver os pais e a vó.
Este ano, dançamos na formatura da caçula e experimentamos comidas exóticas numa incursão familiar pela culinária indiana. A tia quis me dar um abraço de aniversário mas não deu. Coisas da vida. A gente se reencontrará na praia para comemorar o novo ano daqui a alguns dias. Tenho certeza que vou me lembrar daquelas férias de janeiro e vou sentir saudade. Como sinto saudade de toda a minha pequena família Barbosa todos os dias.
Como a própria tia um dia escreveu num caderno de perguntas que eu tinha quando pequena: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". E eu traduzo assim: sentir saudade é, na verdade, amar para sempre.

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