aqueles oito alqueires
O bom de reunir toda a família para comemorar as festas de fim de ano é poder sentar com aquele tio que você não vê durante o ano todo e conversar. Neste último Natal com a italianada não foi diferente. Depois da comilança preparada com carinho pelas tias, que mais uma vez nos deliciaram com a lasanha e a maionese, e pelo tio e pelo primo, que tomaram conta da churrasqueira, resolvi dividir uma cerveja gelada com meu pai, dois tios, um primo e uma prima para lembrarmos, juntos, como era a vida no sítio.
O tio mais novo começou lamentando o quanto era judiado pelos mais velhos. Meu pai e o outro tio riram, retrucando que não era mais do que a obrigação dele saber tirar leite da vaca, alimentar as galinhas, carpir, selar os cavalos, enfim, realizar os pequenos afazeres do dia a dia de uma propriedade rural.
O tio baixinho e invocado ralhou com meu pai, dizendo que boa vida teve ele, que pouco trabalhou no sítio, já que desde adolescente saiu de casa para estudar. Meu pai, o único dos oito filhos do nonno italiano com diploma, formou-se engenheiro mecânico na capital depois de ter estudado dois anos num colégio agrícola. Trabalhar a terra nunca foi desejo dele, mesmo ele tendo comprado seu próprio sítio com o dinheiro conquistado na fábrica de caixas de papelão.
Mas se ele decidiu ir embora para a metrópole em busca de algo a mais, o restante permaneceu no campo e prosperou. Hoje, o mesmo tio ranzinza que reclamava de tirar leite da vaca, planta soja, milho e banana em seu próprio pedaço de chão. E comprou uma casa na cidade para as filhas. As garotas, que ajudaram o pai na lavoura tantas vezes, agora têm o conforto de poder encontrar os amigos no sábado à noite, sem ter que enfrentar a estrada de volta ao sítio.
No meio da conversa, a tia caçula chegou de mansinho para lembrar do dia em que o cavalo a derrubou e fugiu de volta para o pasto. "Aquele cavalo era louco", decretou ela. Todos rimos.
Na casa do nonno todos trabalhavam juntos, cada um com a sua tarefa, que fazia o sítio funcionar. As mulheres na cozinha e no cuidado da casa e das roupas, os pequenos no trato com os animais e os maiores no plantio e na colheita, ao lado do pai. Percebi que apesar de tantas dificuldades, eles sempre foram felizes, do jeito deles. Mesmo perdendo a mãe ainda jovens, souberam se unir para garantir que cada um dos oito filhos tivesse sucesso na vida. Cada um deles e cada um dos 20 netos aprenderam a importância da família, do trabalho, do estudo e do respeito à individualidade. E todos nós prosperamos a partir daqueles oito alqueires do nonno.
Dedo de Prosa publicado na Folha de Londrina de 18/01/2014
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