trabalho, paciência e fé

Se tem uma coisa a que estou acostumada é escutar produtor rural reclamar. Seja da falta de chuva, do preço da semente, do adubo e do defensivo, dos baixos valores recebidos pela soja e pelo milho, da política do governo. Isso graças aos meus tios agricultores, personagens da minha história rural. 
O mais velho, mesmo com as costas travadas, não deixa ninguém subir na plantadeira e faz questão de colher a própria soja a cada safra. Tem filho agrônomo, genro horticultor e netos que ajudam o pai a cuidar da horta aos fins de semana. 
Tem outro tio que está sempre no barracão ajustando o maquinário. Ele acorda e vai dormir olhando para o céu, pedindo chuva. E diariamente leva bronca da tia por entrar em casa todo sujo de poeira. E tem o tio que toca sozinho a pequena propriedade do pai e sustenta duas famílias. 
Tem também o tio que trabalhou com os dois filhos mais velhos até pouco tempo atrás e hoje vê os garotos crescerem por conta própria, arrendando terra, investindo em novos maquinários e em funcionários. Não sem ajudar o pai a tocar o sítio na cidade de nome diminutivo, ao lado de um primo que trocou os bancos escolares pelo trator. 
O tio mais novo também é dono de uma propriedade rural numa cidade vizinha, onde produz commodities e banana. Até pouco tempo atrás, vivia com as duas filhas na casa do sítio. 
Nessa cidadezinha onde vivem meus tios agricultores, o agronegócio é o que sustenta as famílias, na sua maioria, de imigrantes italianos. A cidade cresceu em torno dos sítios. E quase todos os filhos dos imigrantes tornaram-se produtores rurais e muitos netos, engenheiros agrônomos. Quase todas as mulheres sabem preparar queijos caseiros, pães, massas, assados e aproveitam os alimentos das hortas nos almoços de domingo. 
Passando quase todas as férias de verão nessa cidade, construí minha própria relação com o campo ouvindo as conversas dos tios, vendo os primos indo trabalhar, mesmo que fosse feriado. E quando fui contratada para ser repórter da Folha Rural, me senti em casa. Passei a entender sobre o que eles tanto reclamavam e a dar palpite nas conversas de família. Também passei a admirar ainda mais essa profissão tão difícil e ao mesmo tempo tão nobre. Entendi que ser agricultor é exercer um dom divino. E que nada mais o satisfaz a não ser cultivar a terra. Ele estará velhinho, com dores no corpo, e ainda vai querer subir no trator. Vai olhar para o céu e pedir chuva e vai reclamar dos preços. E terá a certeza de ter feito o melhor que podia, ainda que o resultado de seu trabalho dependa tanto da natureza e do mercado quanto dele próprio. E terá sucesso se souber cultivar não só a terra, mas a paciência e a fé. 

Dedo de Prosa publicado na Folha de Londrina de 8/2/2014

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Zio

sempre em frente

cistos