ameixa ou nêspera

Quando a Heloísa era pequena, corria para o fundo do quintal roubar ameixa do pé. E como se deliciava com a frutinha de cor alaranjada e sabor pronunciado que o pai dela cultivava com todo esmero. 
Outro dia, fazendo compras no supermercado, ela se deparou com um pacotinho de ameixas e seus olhos brilharam: "Iguais as que eu comia quando era pequena". Não hesitou e colocou logo um pacote de ameixas no carrinho. 
Qual não foi sua surpresa ao conferir o preço da fruta e descobrir que não se chamava mais ameixa, como ela conhecia, mas nêspera. Pegou o pacote mesmo assim e numa noite qualquer, depois de chegar do trabalho, se deliciou com as frutinhas. 
Tão realizada por ter encontrado as ameixas - ou melhor, nêsperas -, ela fotografou um prato cheio delas e postou na internet, porque nos dias de hoje, se você não compartilha, é como se não tivesse vivido aquela experiência. "Eu conhecia como ameixa, da época em que eu subia direto no pé da árvore que tinha no sítio do papai para colher...olhinhos brilharam quando as encontrei no mercado, agora com nome de nêspera...heheh", dizia o recado sobre a foto. 
Nada demais esta história, não fosse o fato de ter gerado boas lembranças em vários amigos de Heloísa, que não economizaram comentários para a tal nêspera na rede social. 
A prima bióloga explicou que a nêspera é uma espécie exótica. A madrinha achou que sofisticaram a ameixa, a amiga lembrou que a nonna dela tinha um pé enorme de ameixa-nêspera no quintal, a outra prima recordou que costumava roubar as frutas do pé que tinha atrás da casa da Helo, perto da janela do quarto, e perguntou se o pé ainda estava lá. "O pai tirou, mas no sítio acho que ainda tem", replicou a Heloísa. 
Depois que os filhos cresceram e se mudaram, incluindo a Helo, o pai resolveu dar uma "limpada" no quintal e aboliu alguns pés de fruta que tinham por lá. Mas quando criança, os pequenos tinham logo atrás da casa uma parreira, um limoeiro, a ameixeira, uma figueira e, na divisa com o muro do vizinho, uma jabuticabeira. Talvez alguns deles ainda estejam por lá. 
Só sei que a Heloísa já não tem acesso a tantas delícias que "roubava" do quintal quando era pequena. Ao invés disso, devido à rotina corrida da cidade grande, só come frutas vez ou outra, especialmente quando se depara com delícias que povoam suas lembranças infantis, e que fazem seus olhos brilharem, como a ameixa-nêspera. 

Dedo de Prosa publicado na Folha Rural de 30/08/14


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