trabalho árduo, humilde, imprescindível

Imagina aquela senhorinha pequenininha e perfumada acordando cedo todo dia para preparar a comida do marido, que sai de madrugada para a roça. De avental na cintura e presilha no cabelo, ela coloca um bocado de arroz, feito na hora, umas colheradas de feijão incrementado com linguiça, frita um ovo e arruma tudo dentro da marmita, bem separadinho, sem esquecer da salada de alface e tomate. De sobremesa, separa uma laranja bem docinha. 
O marido coloca a quentinha na bolsa, ao lado da térmica com café quente e da garrafa com água gelada, dá um beijo na testa da esposa, e espera o patrão passar na estrada, buzinando a caminhonete. Ele sobe no carro, dá bom dia, e segue para o trabalho ouvindo as notícias matinais da rádio local. 
Na roça, não há distinção entre o trabalho do patrão e do empregado. Ambos estão vestindo suas roupas de campo: calça jeans surrada, camisa de mangas compridas para aplacar os danos do sol, bota e boné. Ambos carregam suas sacolas com as marmitas e a água gelada. Ambos dão um gole no café antes de iniciar a jornada. 
Empregado sobe no trator, enquanto o patrão fica no barracão acertando a plantadeira. Depois de preparar a terra para receber a semente, o funcionário troca de lugar com o dono da terra, que dirige a semeadeira pelo campo. E assim se vai mais um dia de trabalho. 
No meio da manhã, a fome bate e os dois param por alguns minutos para comer a refeição preparada com carinho pelas esposas. Guardam a fruta para o lanche da tarde e tomam mais um gole de café – agora morno – para despertar e seguir a rotina. 
Cai a noite, os dois sobem na velha caminhonete de guerra e partem para casa. O descanso merecido os espera. E no dia seguinte acontece tudo de novo. 
Nas pequenas propriedades brasileiras é assim que se dá a rotina dos agricultores. Não tem patrão que não suje as botas, nem funcionário que não conduza a colheitadeira com cabine e com ar-condicionado. O trabalho precisa ser dividido para render. Cada um cansa um pouco. 
A diferença fica mesmo no lucro. Enquanto o empregado ganha o salário fixo todo mês, o patrão tem que administrar os lucros - ou dividendos - dependendo de como foi a safra. Não é fácil para ninguém quando se tem pouca terra e família grande para cuidar. Mas toda ajuda é bem-vinda. Todo bom funcionário é uma benção e uma promessa: amanhã, aquele que recebe o salário pode ser, também, o dono de um pedaço de chão. Quem sabe? A resposta está sempre no trabalho bem feito. Árduo, humilde, mas certamente imprescindível. Não apenas no campo mas para a cidade também. 

Dedo de Prosa publicado na Folha Rural de 9/8/14


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