doente

Eu tomei a decisão depois de muito pensar: não sou mais uma universitária. Tranquei a matrícula do segundo ano de gastronomia e me matriculei num curso de confeitaria com aulas apenas duas vezes por semana. Também me matriculei em aulas de flamenco, que há anos faziam parte dos meus planos. Desde que escrevi uma matéria sobre como a flamencoterapia havia mudado a vida de senhorinhas londrinenses, que reconquistaram seus corpos e sua autoestima dançando. São duas novas apostas que irão cobrar muito menos de mim este ano, assim espero.
E desde que decidi desacelerar, meu corpo tem me dado respostas de que foi a melhor decisão a tomar este ano. Porque se eu não tivesse readequado meus sonhos (e não desistido, como alguns podem pensar), eu não sei como estaria agora. Pela primeira vez na vida - isso mesmo, primeira - eu estou doente. Um estado físico - e psicológico - desconhecido para mim até então. E estas últimas semanas têm sido das mais difíceis. Precisar parar, "internar-se", se deixar ser cuidada pela mãe depois de adulta, levar picadas de agulha nos braços, nos músculos, ouvir dos médicos que pode ser isso, pode ser aquilo, se entupir de medicamentos que te fazem inchar e ainda continuar levemente surda é de deixar qualquer um louco. Eu, principalmente, que nunca mesmo fiquei doente. Eu estou impaciente sim. Por não poder sair de casa, por não poder tomar banho sem um saco plástico cobrindo uma das mãos, onde, por sorte, o cateter está conseguindo durar mais que dois dias (tenho certeza que é resultado da oração sincera que recebi do amigo outro dia). Eu sinto vontade de espernear e chorar e fazer manha como os pequenos porque nunca fiquei doente quando era criança. É um mundo novo, principalmente pedir ajuda. Demorei tanto tempo para aprender a me virar sozinha e sinto um desconforto em ver minha mãe limpando a casa, lavando, cozinhando enquanto estou prostrada no sofá sem pode fazer nada. Não sinto dor alguma no corpo, o que é ótimo, por isso o incômodo é maior. É como se não estivesse tão doente. Ao mesmo tempo, o corpo fala a todo momento, ou melhor, sussurra nos meus ouvidos que preciso, finalmente, prestar atenção nele. É um sussurro quase mudo, que me ensinou a falar baixo, outra coisa com a qual não estou acostumada. Mas, enfim, estou enfrentando tudo com o máximo de bom humor possível e compaixão com a minha cuidadora, que atura minhas manhas e faz todas as minhas vontades, e com a família e os amigos, que estão torcendo pela minha melhora e me ensinando diversas terapias alternativas para me livrar da surdez. Desde inalação com a tal buchinha do norte (que não tive coragem de tentar, confesso), até compressa quente no ouvido, uso de aromaterapia, xarope de guaco da tia...tentei tudo, garanto, e o ouvido continua me deixando na mão. Tô tentando cultivar a paciência com a falta de melhora e necessidade iminente de uma cirurgia para desobstruir o ouvido. Tô quase esquecendo como é ouvir de verdade. Acordo com a sensação de que estou melhor dai percebo que me acostumei a não ouvir com o ouvido direito. E esse é meu maior medo. Me acostumar. Por isso quero operar logo e me livrar dos sussurros do corpo, quero sair por ai, sem tosse, sem nariz entupido, ouvindo todo e qualquer barulho, até o aspirador do lava-rápido aqui do lado de casa. Não quero mais estar doente para finalmente começar a viver o ano novo que desejei para mim: leve, levinho, levíssimo.

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