preguiçosa

Eu sempre fui meio preguiçosa. Quando pequena, inventei que a água da piscina era muito quente e o vapor me sufocava só para fugir das aulas de natação. Até tentei jogar vôlei na escola, mas era uma pata. Também deixava as lições de casa e os trabalhos de escola para a última hora e enlouquecia minha mãe, que tinha que me ajudar a terminar para que eu não levasse um zero.  Preferia ver Changeman na televisão. 
Só fui tirar uma nota vermelha no primeiro colegial. E foi justo um zero, em desenho geométrico. Nunca contei para a minha mãe, é claro, mas ela precisou se acostumar que eu não teria mais aquele boletim azulzinho azulzinho porque física, química e geometria me davam arrepios. Como me dão até hoje. 
Eu gostava mesmo era de viajar nas aulas de história do meu professor palmeirense preferido e depois da minha professora de sobrenome Brazil, que era irmã do professor de literatura e um dia leu minha mão numa festa junina da escola. Ela disse que eu me casaria com um rapaz loiro, que teria apenas um filho, mas não seria feliz no casamento porque um moreno apareceria na minha vida. Acho que fiquei com trauma, porque até me apaixonei por um rapaz loiro (apesar de preferir os morenos), mas levei um belo fora e desde então aposentei meu coração das paixonites. 
Na adolescência, alternava momentos de preguiça e de produtividade. Estudava numa escola integral e ajudava minha mãe em alguns afazeres domésticos, mas tinha preguiça de me arrumar para sair à noite, como todo adolescente faz. Preferia passar as noites de sábado deitada no sofá vendo filmes com meus pais. Por isso nunca namorei quando deveria ter namorado.
Foi aquela professora que leu minha mão aos 15 anos que me encorajou a estudar jornalismo na faculdade particular que na época em que prestei vestibular era considerada a melhor do País. Acho que foi uma boa escolha, porque minha preguiça - e as possibilidades ofertadas pelos meus pais - me impediu de prestar outros vestibulares e precisei concluir a faculdade paga para ter uma profissão. A ideia de ter que fazer um ano de cursinho também me dava preguiça e troquei um dia de prova por um fim de semana na praia, em família.
E com 21 anos me formei jornalista, com um bom emprego garantido, carro na garagem - presente do pai - e dinheiro para comprar quantos sapatos novos eu quisesse, já que não precisava ajudar nas contas de casa. Mas tinha alguma coisa dentro de mim que me angustiava a mudar de vida. Tava muito fácil, parece. Então deixei a preguiça de lado por uns meses e fui conhecer outros lugares, outras pessoas, sozinha. Lavei roupa na pia do banheiro, vivi de omeletes e macarrão, gastei meu italiano com colegas europeus e latinos, fiquei acordada até altas horas papeando sobre a vida com o primo, bebi muita coca com rum, comi pizzas deliciosas, coloquei todas as experiências dentro da mala e voltei. 
Recomecei aos 22, numa cidadezinha de vento gelado, ao lado da prima mais velha, que me acolheu com carinho de mãe. Lá produzi minhas primeiras matérias de verdade. Recomecei de novo na cidade que supostamente seria meu destino lá quando tinha meus 18 anos, ao lado da outra prima que sempre foi irmã. Com ela aprendi a cozinhar arroz e feijão, a beber cerveja e a dividir alegrias e tristezas. E as delícias que a mãe e a sogra dela mandavam para a gente. 
Nesse tempo, eu era viciada em organização e sofri e fiz sofrer todo mundo que morou comigo. Talvez tenha deixado a preguiça de lado naqueles dias. Também foi nessa época que tentei de tudo para crescer: baladas, ioga, floral, física quântica, aromaterapia, natação e uma loja de presentes, sempre trabalhando no jornal que me ensinou a ser repórter e hoje me ensina a ser editora. Não preciso dizer que nada vingou, só o jornalismo. Tenho orgulho de ter aprendido um pouco sobre esse mundo alternativo.
Mas quando todas as minhas tentativas se mostraram frustradas, voltei para a minha zona de conforto: o sofá. E me senti, novamente, preguiçosa. Dessa vez me incomodou. E procurei ajuda. 
A moça da poltrona marrom até hoje me dá conselhos. Diz que me tornei independente, apesar de eu não me sentir assim, às vezes. Diz que sonho muito, mas também faço muitas coisas, apesar de eu não dar valor. Diz que preciso falar de certos assuntos, apesar de eu ainda ter medo. E eu simplesmente acho que continuo preguiçosa, apesar de estar tentando recomeçar de novo, aos 34. 
A moça da poltrona marrom me fez refletir que preciso mudar o modo de olhar para a minha vida. Talvez tenha agido mais do que penso. Talvez faça coisas importantes todo dia. Não sei. Hoje, no dia em que a repórter que mudou minha vida há um ano e meio trabalhou suas últimas horas no jornal, me vi pensando, de novo, sobre a minha preguiça. 
Ela me mostrou como ser profissional sem reclamar da situação e abraçou tudo o que pedimos dela, mesmo que nem sempre tenha sido fácil. E agora ela me ensina que sempre é possível recomeçar. Ainda que dê um certo medo. Basta criarmos a oportunidade, ela me disse. Nada, absolutamente, nada de preguiça.
Como abomino frustrações, mesmo que elas façam parte da vida, me fecho na minha preguiça quando não sei bem que caminho seguir. 
Me perdoem se não quero conversar, se o sono é a uma das únicas alegrias do dia, ao lado da tevê, que me exige pouca atenção. Ainda estou tentando aceitar que apesar desse meu lado preguiçoso - que na verdade é medo da vida - eu tenho sido uma garota de ações. 
Tenho um longo caminho ainda e mais paciência para tornar alguns devaneios realidade. E a certeza de que às vezes vou querer correr para o sofá. Sorte a minha que tenho a irmã mais nova das primas ao meu lado para me ajudar a levar essa caminhada com mais mais confiança e sorrisos. 

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