minha doce terapia

O calor era tanto que resolvi fazer faxina depois de chegar em casa do trabalho. Só fui terminar lá pelas dez da noite. Depois de um banho refrescante, preparei uma vitamina, cortei um pedaço do pão de banana com aveia e sentei no sofá, procurando alguma coisa banal para ver na tevê. O dia tinha sido tenso. Problemas corriqueiros da rotina de um jornal que poderiam ser resolvidos num piscar de olhos se as pessoas se colocassem umas no lugar das outras. Enquanto limpava ensaiava discursos na mente. Pensei em tudo o que já aconteceu nesses 12 anos de jornalismo, em como amadureci como pessoa e cresci como profissional. Não sinto mais tanto medo. E isso é uma coisa boa. Se deixar o jornal amanhã, seguirei com a cabeça erguida e a sensação de sempre ter feito o meu melhor. Eu entendo o medo em decepcionar o outro, convivo com ele desde sempre. Mas hoje aprendi a me dar mais valor, a reconhecer que, em alguns casos, o que alguns consideram meus defeitos, como a mania de organização e perfeição, podem ser meus aliados na rotina estressante do jornal. Eu planejo sem ao menos precisar. Eu crio estratégias. Eu levo soluções ao apresentar o problema. E isso é administrar. E para ser um bom editor, é preciso saber administrar. Escrever a gente tira de letra, é nosso dom. Lidar com as pessoas, ao contrário, é um aprendizado diário, e tenho melhorado, ainda que me sinta mal de vez em quando. Eu sinto saudade do meu primeiro ano como repórter, descobrindo minhas potencialidades, encarando meus medos, me tornando adulta. Eu me lembro que era muito difícil fazer uma simples matéria. Entrevistar alguém sem tremer, gaguejar. Chegar na reunião com uma pauta. Sugerir. Depois aprender sobre agronegócio, mercado de commodities. Me apaixonar pela rotina de repórter rural e depois cair de paraquedas em cidades e conseguir dar conta. Claro que saía do jornal com aquela sensação estranha de que poderia ter feito mais alguma coisa, mas aos poucos isso foi se dissipando. Fui aprendendo com os colegas mais experientes e fui melhorando. Até me arrisquei na web, onde era a mais experiente da equipe e me via trabalhando das sete ao meio dia sem falar com praticamente ninguém. E naquele época, não importava o quanto nos esforçassemos nada estava bom. Foi bem difícil acreditar em mim mesma naqueles dias. Até que criei coragem de buscar uma nova etapa e fui promovida. Achei que seria demais na função e perdi quatro repórteres sob o meu comando em cerca de um ano. Um baque para a minha autoestima. Até que depois de muito debater com a moça da poltrona marrom, entendi que algumas coisas não dependiam de mim para dar certo. Que eu sempre fiz o que estava ao meu alcance e deveria seguir fazendo o melhor, sempre, apesar das circunstâncias. Hoje estou mais calma na função, fazendo o que dá, da melhor forma possível. Ainda me frustro com as coisas que não consigo controlar, mas respiro fundo e sigo em frente, fazendo, muitas vezes, o que preciso fazer e não o que gostaria. Tenho me colocado cada vez mais no lugar do outro e tentando ajudar como posso, quando posso. Às vezes recebo ajuda também e quando isso acontece, me sinto vitoriosa. E quando volto para casa, desligo. Coloco o avental, separo os ingredientes e começo a amassar bolachinhas, minha doce terapia. 

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