não precisa chorar
Outro dia minha vó chorou no telefone. Não queria morrer sem ver a neta mais velha casada e por isso me contou que estava fazendo orações por mim. E começou a chorar. Fiquei muda. Depois respirei fundo e disse que estava bem, que era feliz assim etc e tal e ela desligou, mas não me pareceu convencida. Quer dizer, para ela, nascida em 1932, uma mulher de 34 anos morando sozinha, pagando as contas, sem ninguém para cuidar dela é quase um pecado. Não tá certo. Não presta. O que ela não entende - e não adianta explicar - é que essa minha geração cresceu assim. Mesmo que tenhamos mães que foram criadas pelas nossas avós para casar, elas nos criaram para estudar, ter uma profissão além de casar e ter filhos e nós, provavelmente, criaremos nossos filhos para serem o que desejarem porque sabemos que ninguém completa ninguém. Que a baboseira de ser um todo e se bastar não é tão baboseira assim, porque só conseguimos amar alguém de verdade - qualidades e defeitos - se respeitamos a pessoa que somos primeiro. Claro que cuidar e se deixar cuidar é muito bom, faz parte, mas ninguém tá aqui nesse mundo para seguir os passos alheios. Viemos para trilhar caminhos próprios e às vezes nos cruzamos pelo caminho de outro alguém e seguimos pela mesma direção por quanto tempo desejarmos - quem sabe até uma vida inteira. E construímos relações e destruímos relações e reunimos nossos pedaços, erguemos a cabeça e seguimos. Até o dia de encontrarmos o destino final. Mas enquanto isso, preciso crer que esta vida de solteirice e trabalho e cursos e dança e cervejas e amigos e família vale tanto quanto se eu tivesse um homem caminhando comigo. Porque minha vó se preocupa com o tal companheiro quando, na verdade, ela quer dizer mesmo é um homem, que lhe dê um bisneto que ela possa exibir para todo mundo. Ela merece um bisneto. Meus pais merecem um neto. Eu mereço um filho, um sobrinho, mais um primo. Mas também mereço respeito pela pessoa que me tornei. E pelos diversos companheiros que encontrei pelo caminho e que passeiam comigo pela vida. São tantos que nem dá para nomear. A própria vó foi companheira desta minha breve vida. Então, não será um marido que vai definir quem sou, vó. Que irá dizer se sou feliz, se estou bem, se tenho companhia para o almoço de domingo. Sou eu mesma e minha capacidade de amar todo mundo que me faz bem e me deixar amar por quem quiser me amar. Se um dia me apaixonar, será uma delícia. Tenho certeza que serei bem feliz também. E pode continuar rezando dona Therê, mas não precisa chorar. Nós ficaremos bem.
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