doutora

Passei semanas construindo textos na minha cabeça. Têm sido dias de muito sentimento. Queria falar sobre o quanto aprendi sobre limitação e empatia. Queria dizer que gostaria de ter votado no segundo turno das eleições mas não estava em casa e que chorei no colo da mãe depois do resultado. Queria falar do meu medo. Queria contar que a irmã finalmente terminou a tese e que bateu um orgulho danado da doutora que se formou por mérito próprio. Creio que ela é a primeira doutora da nossa família. Doutora em recuperação de áreas degradadas. Criadora de florestas. Disseminadora de conhecimento. Pesquisadora. Putaquepariu tenho uma irmã doutora. Acho que essa é a melhor notícia que eu não publicarei como jornalista. Não escreverei sobre a pesquisa dela porque já não escrevo mais profissionalmente. Há um ano, cinco meses e oito dias. Mas quem está contando. Eu fiz tanto durante esse tempo mas às vezes eu sinto que não fiz nada. Separar a rotina de jornalista da de confeiteira microempreendedora tem sido meu maior trabalho e talvez seja o mais difícil da minha vida. Mas uma hora eu tenho que focar e arregaçar as mangas, certo? Depois de tudo o que aconteceu, eu queria paz. Tempo. Para pode dar o próximo passo. Até cheguei acelerando e metendo o pé na porta da cozinha, mas nada saiu como eu esperava. Dai resolvi desacelerar e viver um dia de cada vez. E a rotina parece que foi ganhando forma. Uma rotina completamente diferente e cheia de brechas para eu encaixar o "fazer nada" no meio, que a cabeça deu um nó.  Eu ainda estou me achando então não me façam perguntas. Façam pedidos. De alfajores. De bolos funcionais. De cookies veganos. Mas não me perguntem onde quero estar daqui um ano, daqui cinco anos, com 48 anos, com 70, que eu sei lá. Eu não funciono como a irmã, que sabe criar hipóteses que não são de pelúcia. Que sabe levantar dados, realizar experimentos e escrever teses. Que trabalha em laboratório. Eu escrevo textos aleatórios para aplacar a ansiedade. E preparo bolachinhas feias mas gostosas para aplacar a mesma ansiedade. E enquanto digito ou boto a mão na massa, a mente divaga. Buscando a resposta que você me pede. Mas ela não encontra. Então eu escrevo. E asso bolachas. Já pensei em me isolar no sítio e viver de brisa. Já pensei em ir morar com a vó e viver da comida dela. Já pensei em ir embora do país de novo e viver de subemprego. Já pensei tanta coisa. Nesse momento só penso no que meu pai me disse outro dia: "Filha, escreve. Você escreve tão bem. Pode escrever sobre o que quiser. Só escreve". Eu escrevo mil e um textos todo dia. Quase nenhum vai para o papel. A maioria dos pensamentos se perde na ansiedade da rotina. E assim vamos nós, escritores. A gente sente os acontecimentos diferente. Para a minha irmã, a tese, o doutorado, "virar voto", plantar árvores, cuidar do gato é viver. Para mim, é uma história. Outro conselho paterno sempre foi: "Escolha uma coisa que goste de fazer e faça. Não questione. Faça. E faça bem feito. A gente precisa de um propósito, de um sonho". Por um tempo eu achei que era uma boa jornalista. Depois já não sabia mais. Por um tempo eu achei que poderia ter meu próprio negócio. Neste momento, eu não sei mais. Porque as "pequenas coisas" da vida, como pagar o plano de saúde ou o aplicativo de música, interferem no aproveitamento do tempo. Eu queria tempo. Eu consegui. E perdi algumas coisas importantes como dinheiro na conta, sair de casa, ter contato real com as pessoas, ter um compromisso, enfim, "pequenas coisas" que nos tornam adultos. Mas talvez essa cobrança, esse vazio, seja só meu mesmo. Não sei. Pode até ser normal, vai saber. Porque me perdi por um tempo e preciso retomar a estrada. Para onde não sei, só preciso retomar o caminho. A orientadora de mestrado da irmã e uma das orientadoras do doutorado deu a seguinte missão para ela, após corrigir o texto que "fecha sua tese com chave de ouro", nas palavras dela: "Conto com você para dar continuidade ao meu esforço para mudar este mundo!". Claro que eu chorei e choro de orgulho sempre que releio essa mensagem, que a irmã dividiu comigo depois de ver quatro anos de esforços recompensados. A professora só esqueceu de dizer que a irmã vem mudando o mundo desde que nasceu, começando pelo meu. E por sermos tão diferentes é que aprendemos tanto uma com a outra. Quem sabe minha doutora não me mostra como encontrar o caminho que eu tanto procuro. Acho até que ela já começou ao me mandar aquela mensagem. Minha única certeza é que ela vai rir de tudo isso quando ler, como boa pragmática que é.

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