cartinha


Já pensou em quanta coisa nosso cérebro é capaz de processar? Tudo o que ele é capaz de fazer em um rápido segundo para nos manter vivos? Enquanto estou aqui pensando no que escrever, enquanto estou tocando as teclas do computador, enquanto estou lendo e corrigindo erros de digitação ao mesmo tempo em que percebo o que acontece ao meu redor, o cérebro está trabalhando. Ele trabalha tanto e ininterruptamente que às vezes precisa de um descanso. Mas nem quando dormimos ele para realmente. Continua processando tudo o que aconteceu durante o dia, relacionando tudo com nossa memória. Ele não para nunca. E é capaz de produzir as ideias mais malucas e as mais sensatas.

Eu estava lendo um texto em inglês e pensando como é fácil para mim hoje entender essa língua que um dia eu não conhecia. Como é fácil falar mesmo não sendo minha língua mãe. Como é fácil ver um filme sem legendas. E me pego pensando que um dia não foi tão fácil assim. Um dia eu tive que decorar palavras e responder inúmeros exercícios de gramática e escrever pequenas redações em inglês e me lembro o quão difícil aquilo me parecia na época. Mal sabia eu que seria capaz de cantar em inglês na frente de um bando de desconhecidos num karaokê noite dessas. O mesmo acontece com o italiano, no qual também sou fluente. Mas meu cérebro só consegue ir até um ponto: embora eu entenda espanhol e francês, escrever e falar é quase impossível. Dentre outros assuntos que me são estranhos.

Hoje eu recebi uma cartinha. Feita toda a mão. Desde o envelope até os corações que selaram o bilhetinho que vinha dentro: “Mare eu não sei se você vai lembrar desse dia você falou que a gente ia trocar receitas comigo era a receita do bolo de 6 ovos e a bolacha amantegata bj”. E, claro, eu chorei. Não estava esperando essa surpresa. Muito menos logo de manhã, saindo para o trabalho. Foi lindo. E eu tentei abrir o envelope da maneira mais carinhosa possível para não estragar. E, claro, vim trabalhar com um sorriso bobo no rosto. Sorriso de quem sabe que é querido mas precisa de algumas provas, vez ou outra.

Ontem eu me dei folga. Uma parada necessária para recarregar o corpo e o cérebro, que têm funcionado no automático nos últimos meses. E mesmo que tenha cumprido uma lista imensa de afazeres que incluíam trocar o farol do carro que estava queimado, devolver um equipamento na empresa de telefonia, embalar bolachas, limpar a casa e ir à terapia, as duas horas a mais de sono pela manhã me deixaram animadas para voltar ao trabalho hoje. Muita gente me mandou mensagem perguntando se estava tudo bem porque o café estava fechado. Se eu não trabalho, não tem pão de queijo. E hoje fui recebida com um “senti sua falta ontem”. Essa frase me fez sorrir como a cartinha. Ainda que eu me sentisse culpada por não ter aberto o café num dia de semana, eu senti que tinha feito a coisa certa para mim naquele momento. Hoje estou melhor que anteontem.

Ao ler a cartinha da Isa me peguei pensando nas dificuldades que o novo traz: a gente sofre tentando aprender a ser perfeito em tudo mesmo que nunca tenhamos feito tal coisa. A Isa conseguiu se comunicar mesmo esquecendo algumas letrinhas. Afinal, ela está sendo alfabetizada agora e só o fato de me mandar uma cartinha prestes a completar sete anos me enche de orgulho. Me enche de orgulho vê-la brincar de Stop e ficar pensando em nomes de cidade, de comida, de animal. É muito bom brincar com ela de jogos de perguntas e respostas e vê-la aprender um pouco mais todo dia. Ela é tão esperta. Mas comete erros e aprende com eles, apesar de não gostar de perder. Me vejo sendo um pouco criança birrenta quando sofro quando algo dá errado. Mas se a gente ensina a ela que perder faz parte, a gente, como adulto, também tem que saber perder de vez em quando.

Para a maioria das crianças que eu conheço, o aprendizado é um desafio bom, no qual a gente ganha um pouco todo dia. Quando a Clari começou a fazer parada de mão, ela caía desengonçada. Hoje não cai mais e inclusive é elogiada na capoeira por essa proeza que para ela, um dia, foi difícil de completar.

Se ontem eu não sabia nem vaporizar o leite, hoje já tento desenhar no cappuccino. E se praticar todo dia, um dia desenharei no instinto, sem me preocupar se o movimento do pulso está certo ou errado. Como aconteceu com as bolachinhas, que passei um ano aperfeiçoando as receitas até ficarem como estão hoje: lindas e deliciosamente imperfeitas.

Essa inocência infantil de querer tentar mesmo com medo de que dê errado é linda. Descobrir-se capaz de fazer algo, ainda que de forma imperfeita, é muito melhor do que nunca tentar. A gente não precisa saber tudo o tempo todo. Se a gente reconhece isso é meio caminho andado para ser um pouco melhor amanhã. E tomara que essa seja só a primeira de muitas cartas que trocarei com a Isa.

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