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Dia 7 é um dia importante. É meu dia. Mas dia 29 também se tornou um dia inesquecível para mim. Assim como o dia 3. São três datas marcantes, assim como um dia foi o dia 6. Hoje, 3 de outubro, completo quatro meses à frente do Buendía Café. Uma empreitada que caiu no meu colo quando eu mais precisava e que chegou para desconstruir tudo o que eu sabia sobre mim. Se eu me achava capaz de qualquer coisa, hoje enxergo meus limites muito mais claramente e não tenho mais vergonha de admitir quando estou cansada. Ou quando erro. Não errei ao assumir sozinha o comando deste pequenino café. Mas não é nada fácil: todo dia é uma vida diferente. Neste espaço posso exercitar minhas vocações diariamente: esperar e ouvir o outro são duas delas. Eu sou uma boa ouvinte, apesar de gostar de dividir também. Mas quem senta no outro lado do balcão pode saber que eu vou prestar atenção na história a ser contada. Já ouvi de tudo por aqui, histórias muito mais inusitadas em cinco minutos de conversa do que todos os relatos que ouvi nos meus 14 anos de jornalismo. Algumas palavras me fizeram muito mal mas outras me mudaram para melhor. Outro dia, a moça que vem desde o primeiro dia buscar seu café com leite diário e vez ou outra almoça com a filha aqui no café veio acertar a conta e engatamos numa conversa demorada que me deixou com lágrimas nos olhos. Ela dividiu comigo alguns aprendizados e histórias de vida e me deixou pensando por semanas. Ainda penso naquela conversa quando estou em silêncio. Essa semana ela me mostrou vídeos do show do Bon Jovi em Curitiba: ela estava pertinho do palco e orgulhosa do poder da sua câmera de celular. Ouvi Bed of Roses como se estivesse na pedreira, com ela. Ao final da conversa, ela me disse: “Saí abençoada desse show”. E eu pensei, quem sai abençoado de um show de rock? Mais um aprendizado ai: ela já tem um olhar sem julgamento para vida enquanto eu ainda estou caminhando nessa jornada. Um dia chego lá. Todo dia as mesmas pessoas vêm buscar seus pães de queijo e já sei quem paga em dinheiro, no débito e os de crédito. Já aprendi a calcular a quantidade de fornadas ainda que tenha variações de um dia pro outro. É engraçado ver a cara daquele cliente fiel que olha a estufa e vê que o pão de queijo acabou ou ainda está assando. No início eu me culpava achando que nunca poderia faltar pão de queijo. Hoje eu digo simplesmente que acabou mas que outra fornada sairá em poucos minutos e sigo o dia. Se no dia 3 de junho eu queria ser perfeita, hoje eu quero aprender a ser um pouco melhor que ontem. Porque o preço de tocar isso aqui sozinha é alto: chego em casa pronta para a cama. Como aprendo sobre mim todo dia, entendi que descansar faz parte de ser uma boa atendente de balcão. Quando minhas pernas, costas e ombros não doem, o sorriso sai mais fácil. Mas tem dia que eu só quero que dê cinco da tarde para eu esticar as pernas no sofá. Mas acredito que o equilíbrio virá com o tempo. Experiência é um conceito poderoso e verdadeiro. De tudo o que já vi por aqui em quatro meses – que para amiga parece que foi ontem e para mim parece uma vida inteira – sinto saudades de algumas figuras que não verei mais: o advogado de olhos azuis e sorriso branquinho que só comia pastel de alho poró e as duas funcionárias da limpeza do prédio, a da manhã e a da noite, que se desligaram do emprego. Eram as únicas pessoas que todo dia conversavam comigo mais que um simples “bom dia”. Será que é possível sentir falta de alguém com quem você troca apenas cinco minutos de conversa no dia? Não sei, só sei que sinto. Também sei que todo dia vou conhecer alguém que irá me irritar e alguém especial e essa é a magia do balcão. No dia seguinte ao que folguei sem avisar ninguém, a vizinha que adora pão de queijo me disse: “Senti sua falta ontem”. E eu sabia que não era porque não teve pão de queijo cheirando no saguão. Do mesmo jeito que eu observo as pessoas, elas também me veem. Sabe se lá que histórias serão construídas nos próximos dias. No próximo dia 3 eu conto.

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