cupcake de cenoura e brigadeiro
Eu cruzo a avenida todo dia. Manhãzinha e tardezinha. Eu vejo os ônibus descarregarem trabalhadores enquanto eu mesma me levo pro serviço. Eu vejo gente apressada, olhando pro celular. Gente comprando o pão francês pra patroa. Eu vejo gente correndo em volta do lago pra ficar em forma. Eu vejo gente tão tranquila que até tira o sapato no ponto, enquanto a condução não chega. Tem dias que vejo ele descendo a avenida. Em outros, ele está subindo. E eu vejo a placa de amor à cidade à esquerda e os rapazes praticando pólo aquático no lago à direita. Meu carro sempre engasga nesse trecho de subida. Achei que era um problema meu, mas outro dia o amigo contou que o carro dele também engasga por ali. Ou a pista precisa de reparos ou precisamos trocar de carro. Pensando bem, acho válidas as duas hipóteses. Eu estava cansada e fui pra casa tirar um cochilo no meio da tarde. Sim, um cochilo. Sim, no meio da tarde. Sim, porque tem alguém no meu lugar no serviço. Alguém que eu contratei e a quem vou pagar salário. Com direito a carteira assinada e férias remuneradas. Talvez eu não tenha férias remuneradas por um bom tempo em razão dessa decisão. Mas ela terá. Assim poderei tirar um cochilo num dia de semana à tarde. E concluir tarefas. Ou não. Como no dia em que dirigia rumo ao meu sofá e o trânsito me atrapalhou. Obras por toda parte e eu correndo como louca pra dar conta das tarefas que acumulam fora do balcão e que antes eu fazia à noite ou aos fins de semana e hoje posso fazer numa quinta à tarde. Eu encaixei a aula de dança entre a ida ao mercado e a produção de cookies e brownies para não desistir. E entrei de gaiata no meio de uma colombiana. Terei que aprender rápido a movimentar braços, pés e leques. E tentar levantar sem dor nas pernas de tanto sapatear no dia seguinte. Depois de abastecer o tanque do carrinho que estava apitando no vermelho, parei numa brigaderia para "almoçar". Uma quiche lorraine - um clássico dos clássicos - e um brigadeiro gelado para comemorar o fato de a minha microempresa ter sua primeira funcionária de carteira assinada. Primeira e única porque é só o que a lei - e o bolso - permitem. Mas é um orgulho bobo poder sentar aqui agora e escrever esse texto desnecessário enquanto "tomo" um brigadeiro. E penso sobre esse bairro novo que está crescendo muito rápido. E como vim parar aqui. E as pessoas que conheci em oito meses de balcão. Que repetem pedidos, me pedem pra esquentar marmita ou me dão chiclete de blueberry de presente. Penso nos amigos que me acompanham e nos que ficaram pra trás. Lamentarei pela última vez - prometo - a falta que um deles deixa de fazer a cada dia que passa. Enquanto isso, o amigo mais fofo veio conhecer o cafezinho e comer brownie. Conversou comigo como um adulto de sete anos. E me deu dicas de sabores de bolo que podem fazer sucesso no cardápio. Chocolate e maracujá: mais um clássico. Uns dias a gente perde, em outros ganha, conclui. Ciclos. Benditos ciclos. E mais um livro pra conta. De poesia. Como aquele da poetisa canadense que eu quase comprei outro dia mas desisti. Deveria ter comprado. Preciso de mais poesia no dia a dia, apesar de quase nunca entender o que os versos querem dizer. Talvez, para mim, a poesia esteja em pagar um salário para alguém, tratar bem e ensinar o que eu puder. E comer sozinha um cupcake de cenoura e brigadeiro às três da tarde de uma sexta para comemorar.
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