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Uma carta. Mas de que adianta se a resposta veio antes. De que adianta dizer repetidas vezes. Será sempre não. Então soca a porta do freezer que não fecha direito. Mata a trilha de formigas que insistem em passear pelo armário da cozinha, sem rumo. Toma uma taça de vinho. Come três pedaços de pizza de abobrinha, sua favorita. Liga na novela bobinha e tenta desligar. Será sempre não. Sempre. Não.


Ele nem titubeou e ela, emudeceu. Tá tudo bem? O outro perguntou. Sim, claro. Só estou cansada, ela respondeu, querendo partir. Foram dois litros de chope no almoço. Um calor danado de meio de verão. Aquele bafo. Ela só pensava em ir pra casa. Se esconder no quarto escuro. Fechar a janela, a cortina, ligar o ventilador e cair no sono. Pra esquecer.

Ele trabalha até tarde, então ela espera ele ligar. Todo dia. Enquanto isso, lê. A última história contava sobre casais apaixonados que se casaram durante a segunda grande guerra. Elas, australianas. Eles, ingleses. E como o governo da rainha iria trazê-las para juntos dos maridos no pós-guerra. Espera. Muita espera. Assim como ela, que esperava a ligação diária dele. No telefone, ela desabafa: sempre espero você ligar. Ao que ele retruca: você está errada. Eu esperei você crescer, você terminar o colégio, cursar a faculdade fora, terminar a residência e voltar para casa. Eu te esperei a vida toda.

Parece que tá todo mundo querendo arrumar mulher para ele. Você tem uma energia muito boa, mas sinto um entrave na sua vida amorosa, disse uma desconhecida, depois de abraçá-lo do nada. Ele acredita em física quântica, então levou a sério o que ela disse. Energia é algo muito verdadeiro - e poderoso -, refletiu. Foi deitar pensando nisso naquela noite. No fundo ele sabe que sua vida está uma confusão só. Faz tempo. E que nunca tinha parado pra pensar de verdade sobre arranjar uma namorada. Ele sempre gostou da ideia de ter alguém com quem ir ao cinema e comer pizza depois. Mas ele achava que tinha que construir patrimônio primeiro. Estar equilibrado. E que só então ele ouviria o chamado da princesa e ele montaria no cavalo branco e iria resgatá-la na torre do castelo mais longínquo. Quanta bobagem. Esse papel de herói salvador da mocinha só existe nos contos de fadas, que deveriam ser revistos pela literatura, avaliou. Por que não dei bola para aquela menina que escreveu a carta? Ela parecia legal. Mas agora não é hora para isso. Virou para o outro lado e dormiu. Levantaria cedo no dia seguinte.