um recado para Isa
Oi Isa, aqui é a Mari. Você não imagina como fiquei feliz em encontrar seu recadinho salvo na tela de entrada do meu computador. Eu não uso muito esse computador, então quando decidi abri-lo hoje para organizar as planilhas das contas mensais e efetuar os pagamentos com o dinheiro que teve que sair da poupança porque o café está fechado há 17 dias, você pode imaginar a surpresa que tive ao ver esse arquivo. Cliquei sem saber o que iria encontrar porque já não me lembrava dele. Mas assim que li, lembrei na hora. Você escreveu no dia em que ficou aqui em casa com a sua madrinha. As duas juntas no dia das crianças, a sua madrinha trabalhando no computador, enquanto eu estava lá no café. No mesmo dia em que a minha irmã, sua dinda, tinha vindo a Londrina conhecer o cafezinho. Vocês acordaram cedo, se trocaram e foram tomar café comigo. Quer dizer, vocês comeram e eu segui servindo pão de queijo aos meus clientes de todo dia. Vocês, então, pegaram meu carro e voltaram para casa. Foram almoçar Mc Donald's no shopping e depois foram ao cinema. Não lembro que filme assistiram. No fim da tarde, vieram me buscar no trabalho e à noite fizemos macarrão com requeijão para você, seu preferido. Estávamos todas cansadas e fomos dormir cedo. Você dormiu comigo na cama de casal e a Na dormiu no outro quarto. E foi um dia bem feliz, porque sempre que você está comigo é um dia feliz. Mas sabe, seu recadinho me fez pensar. Isa, esta semana você está indo trabalhar com a sua mãe porque estamos em quarentena e você não tem ido à escola. Sua mãe esse ano tinha feito planos de trabalhar meio período para poder curtir você o resto do dia. Foi muito planejamento com a ajuda do seu pai para isso acontecer. Daí veio um vírus danado e deu uma rasteira em todo mundo. Muita gente já morreu do outro lado do mundo e muita gente ainda vai morrer desse lado, então estamos todos guardados em casa, nos protegendo de um bichinho que não podemos ver, e protegendo quem a gente ama. Seus pais e a tia Lô saem todo dia para trabalhar e só posso imaginar o desespero. Mas eles são muito responsáveis para se colocar em risco, sei que estão se cuidando. A Mari, aqui em Londrina, poderia cuidar de você numa boa. Mas você quer ir trabalhar com a sua mãe, uma grande aventura para a menininha curiosa de sete anos que você é. Talvez seja melhor, a Mari acordou bem triste hoje. Ela não vê nenhum amigo há 17 dias. Só conversa por mensagens e os vídeos diários para o tio Guaciro e a tia Guacira. Ela chora e eles ficam preocupados. Mas é mais forte que a Mari. Sabe, você acertou em cheio no recadinho: tudo o que eu queria para esse ano era continuar feliz trabalhando no café. Eu também queria ganhar mais dinheiro para poder reformar o café, deixá-lo com a minha cara, contratar alguém para me ajudar - o que acabou dando certo - poder comprar mais produtos legais para oferecer aos clientes, e ter dinheiro sobrando no fim do mês, sem precisar me preocupar se venderei o suficiente para poder pagar o aluguel que vence todo dia 1 do mês. Mas sabe, Isa, nem sempre as coisas acontecem como a gente planeja. Por isso hoje você está fazendo "um milhão" de lições de casa no sofá e está indo trabalhar com a mamãe. Mas, sabe, vai passar. E eu vou voltar para o café e vou continuar trabalhando feliz e ganhando dinheiro suficiente para viver uma vida confortável. E você vai voltar para a escola e reencontrar o Gabriel Moreno, com quem vai brincar até cansar. Sabe, Isa, não é sobre dinheiro. É sobre conquistas. Sobre superação. Sobre saber quem se é de verdade e nossa missão nesta vida. Em muitos momentos sozinha nesta quarentena eu me peguei pensando sobre a solidão. Como está sendo difícil passar por tudo isso sozinha aqui em casa. Mas eu entendi que eu já era sozinha antes e continuarei sozinha quando tudo passar. Claro que irei na sua casa jogar buraco com vocês num final de semana qualquer. Claro que irei ao bar encontrar os amigos para uma cerveja. Claro que reencontrarei os clientes e servirei os pães de queijo com carinho e irei conversar com eles sobre esse momento estranho que estamos vivendo. Mas quando eu tiver que tomar uma decisão ou ir dormir, eu estarei sozinha. Talvez eu tenha que fazer as pazes com isso. Talvez essa quarentena veio para mim como uma prova final de tudo o que tenho aprendido nos últimos anos. Talvez eu passe no teste, talvez não. Isso vai ter que acabar primeiro para depois eu descobrir. Mas tenha certeza Isa, que seu recadinho aqueceu meu coração hoje. Justo hoje que o dia amanheceu um tanto mais triste para mim. Mas vou seguir suas recomendações e tentar ser paciente e construir uma nova vida um dia de cada vez. Já não sou mais a mesma. E que bom por isso. Obrigada, Isa. Eu amo você!
Comentários
Postar um comentário