triste né?


Eu estou triste. Essa é a palavra que melhor define o que sinto agora: tristeza. Essa semana eu trabalhei, eu conversei uns minutos com algumas pessoas, cantei músicas velhas bem alto, vi filmes e séries tristes e quase botei fogo na casa. E fiquei triste.

Fui fazer um pão na chapa e esqueci a frigideira no fogão aceso. Baixei o fogo, vi que o pão estava bom e coloquei no prato. Passei cream cheese e fui pra sala. Duas horas depois sinto cheiro de queimado. Achei que era o lenço que coloquei sobre a lâmpada para escurecer a sala, mas não era porque a lâmpada de led não esquenta. Fui para a cozinha buscar a toalha de banho e vi a frigideira sobre a chama do fogão ainda acesa. Não acreditei que tinha esquecido. E fiquei triste.

Como também não acreditei que esqueci de produzir e entregar um pedido essa semana. Se a amiga não avisa, o filho dela estava esperando a bolachinha até agora. O que deu errado? Eu fiquei triste.

Na noite passada fui dormir às 2h30 da madrugada. O sono não vinha e resolvi maratonar uma série antiga que eu não tinha conseguido ver na época que passou. Dei altas risadas mas no episódio seis da segunda temporada consegui dormir.

Então fui para a cama. Coloquei um cobertor extra porque está muito frio e me enfiei debaixo do edredom como faço todas as noites - ou madrugadas porque o sono custa a vir. E virei de lado. Lembrei por um segundo de tudo o que aconteceu nos últimos cento e poucos dias e chorei. Por uns 30 segundos. E dormi sabendo que acordaria tarde hoje. E fiquei triste.

Eram dez para as dez da manhã quando olhei no relógio da sala. Liguei o celular e vi as mensagens perdidas da madrugada. Numa delas o amigo dizia que estava mais feliz porque comeu alfajorzinho de especiarias. Motivo mais que suficiente para iniciar o dia feliz. Mas eu estou triste.

Daí fui para a cozinha fazer um chocolate quente e derramei leite fervido duas vezes seguidas no fogão. Na primeira vez, sem me dar conta, eu peguei na caneca quente sem luva e queimei a palma da mão. Por reflexo, joguei a caneca e derramou leite por toda parte. Logo depois de limpar tudo, fui esquentar outra caneca e deixei o leite ferver. Derramou tudo de novo. Sabe aquele segundinho de distração? Com leite não pode ter segundinho de distração. Mas pelo menos não esqueci a frigideira sobre a chama acesa novamente. E fiquei triste.

Enquanto fui lavar o pano sujo de leite no tanque, vi o tremendo movimento na rua. E o lava rápido vizinho cheio de carros. Lotado. E o jato d'água gritando seu barulho inconfundível aos meus ouvidos. E foi ai que eu fiquei mais triste.

Porque eu ainda estou em quarentena - apesar de uns acharem que eu saio demais enquanto outros não puseram o pé fora de casa em três meses.

Eu ainda sinto medo de ir ao mercado e uso máscara para entregar as encomendas e passo álcool gel em tudo que até estraguei móveis e roupas. E fico triste toda vez.

Eu ainda me espanto com as estatísticas de uma morte por minuto no país. Me espanto com mais de mil mortes por dia. Por 2 milhões de brasileiros infectados. Em ainda choro um pouquinho todo dia, ainda que seja antes de dormir. Porque estou triste.

E eu não sei o que fazer com isso a não ser escrever sobre isso. A não ser chorar quando dá vontade. A não ser sentir empatia por quem precisa sair de casa todo dia. 

É tanto privilégio que eu tenho. Eu acho que sentir tristeza nesse momento também é algo bom. Pior seria não me importar em ficar sem abraço, sem conversa. Pior seria achar tudo isso normal e me adaptar facilmente à nova rotina.

É, eu estou triste. É, eu choro às vezes. É, eu poderia tomar um remédio e resolver tudo isso. É, eu poderia ter voltado ao trabalho com a rapidez de quem enxerga uma oportunidade no caos. É, eu poderia não escrever sobre nada disso e seguir meu dia. Não chorar sobre o leite derramado, lavar a louça, arrumar a cama, escovar os dentes, colocar a roupa de sair, pentear os cabelos e cobrir nariz e boca com a máscara. Eu poderia entregar as encomendas do dia e voltar para o sofá. E maratonar o final da série. E tudo continuaria igual lá fora. Mas e aqui dentro?


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