quatro estações

Eu fui a uma apresentação da Orquestra Sinfônica de Londrina sozinha, numa quinta à noite. Decidi meio de supetão ao ver a programação na rede social: as quatro estações de Vivaldi.

Me lembrei dos dias que passei com meus pais e minha avó na praia, no final do ano passado, e no dia que meu pai viajou para São Paulo a trabalho e eu passei a tarde com as duas mulheres que me criaram. Teve uma hora que pedi para a Alexa tocar música clássica e deitei no sofá ao lado da minha mãe, que jogava candy crush. Minha vó estava sentada na sua poltroninha azul, ao lado da janela, vendo o movimento da rua. 

Ela já tirado pelo menos dois dos seus vários cochilos diários, antes e depois do almoço. Um cochilo de fome, que acontece entre 11h30 e 12h, logo antes da minha mãe servir o almoço. E o outro entre 13h e 13h30, quando ela se sente muito cansada depois de comer. Ela se estica na cama por uns minutos e logo volta para a poltrona achando que dormiu a tarde inteira.

O terceiro cochilo é sempre pouco antes do café da tarde. Ela não admite que está com fome porque diz que não tem mais paladar e vai deitar. Pouco antes das 16h ela levanta de novo e a mesa já está posta com uma caneca de café com leite e pão com margarina porque ela não gosta de manteiga.
Nessa tarde em que escutamos Vivaldi, ela ficou acordada e quando foi dando 15h30 começamos a preparar a mesa do café da tarde, que ela comeu com gosto. Aí meu pai chegou e a música parou. 

Sentada na poltrona do Ouro Verde ouvindo os violinistas tocarem sons clássicos que eu reconhecia, eu só pensava: como é bom morar aqui nessa cidade tão acessível. Queria que a minha família estivesse aqui comigo. Será que minha vó já viu uma orquestra tocar ao vivo?

No prelúdio, minutos antes da apresentação começar, ouvi um grupo de sopro tocar canções que me conectam diretamente com meu pai: Con te partirò e Funiculli Funiculla. E sorri e bati palma com todo mundo sem que ninguém soubesse que na nossa família tudo acaba em tarantella e que meu pai escuta Bocelli enquanto está jogando paciência no celular. A vida é feita dos detalhes e nesse dia eu senti muita falta deles.

No dia seguinte seria o aniversário do meu padrinho: 70 anos. E eu não estaria lá com ele porque moro aqui. Então, por uns minutos, me arrependi de ter gostado tanto de Londrina e quis pegar o carro e dirigir até Guarulhos para abraçar meu tio e comemorar com eles. Mas tinha que trabalhar no dia seguinte. Chorei enquanto resolvia algo do trabalho no horário da terapia, tomeu café da manhã,  mandei mensagem pro tio e segui o dia.

À noite, acompanhei a amiga a uma sessão de autógrafos e enquanto esperávamos na fila da livraria, reencontrei muitos colegas jornalistas que não via há um tempo. Isso só seria possível em Londrina porque se fosse em São Paulo eu teria tido preguiça de enfrentar o trânsito e ficaria em casa vendo tevê.

No meio do shopping, liguei pro tio e conversei uns minutos. Dei parabéns, ele agradeceu a lembrança que mandei e dei oi para vó, que estava sentadinha no sofá ao lado dele. Todo ano esta mesma cena reconfortante na casa do tio. E desliguei com o coração apertado de quem entendeu para onde nossas escolhas nos levam. Vai ser sempre um "ganha-perde", fazer o quê?

Eu tenho a melhor vida possível aqui em Londrina. Eu escolhi assim anos atrás e tenho feito limonadas com os limões que a vida me dá: umas mais doces, outras mais azedas. E abril tornou-se um mês triste desde 2021. Mas ainda bem que tem o aniversário do tio para comemorar.

Se escolhi aqui para ser a minha casa, deixei muitas saudades espalhadas pelo resto do mundo. Às vezes, essas saudades se encontram e a vida parece completa. Mas isso dura o tempo de outra saudade, de uma foto ou um choro.

Mas a gente lembra dos porques e das escolhas e vai seguindo, acertando e errando. Abraçando e deixando partir. Ligando ou viajando nos aniversários e feriados, conforme dá. E a vida vai seguindo e ensinando, assim como um concerto para violino em quatro estações.

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