meu tio agricultor

Estava sentada no sofá da sala da tia Bepina, ouvindo ela contar sobre a vinda da família da Itália para o Brasil. Ela tinha 10 anos e se lembra de detalhes da travessia que meu pai, que era um bebezinho de apenas um ano, nunca recordaria. 
Ao lado do marido, o tio Vitorino, ela contou que ganhou o apelido de Bepina em homenagem ao primo Giuseppe, que havia morrido na guerra. Como ela nasceu enquanto o nonno estava lutando, a nonna a havia batizado de Rosana. Bem, o nome Rosana ficou só para os documentos pois todo mundo a chama mesmo é de Be. 
Ouvindo o marido dela contar como a família passava fome na Europa, fiquei com vontade de chorar. Nunca havia imaginado tamanho sofrimento, pois hoje o tio Vitorino, que viu o irmão mais velho partir para a guerra, o pai trabalhar para os alemães e a mãe cozinhar polenta com açúcar para aplacar a fome dos quatro filhos, se senta confortavelmente em frente à tv de 20 e poucas polegadas para contar sua história com o bom humor de sempre. 
Isso graças ao trabalho na terra. O tio, como meu nonno, desbravou um pedaço da mata brasileira e tornou aquele chão produtivo. No início, foi trigo e algodão. Hoje é a vez da soja e do milho. 
O tio Vitorino, que já usou as próprias mãos para colher algodão na chegada ao Brasil, hoje utiliza maquinários modernos comprados com o lucro da terra para semear e colher, com a ajuda de um dos filhos, que também é agricultor. E a casa grande e confortável, o carro na garagem e os presentes dos netos foram conquistados com o trabalho no sítio. 
Com 73 anos, o tio Vitorino ainda levanta cedo, toma o café preto, olha o céu e faz sua própria previsão diária do tempo. Torce pela chuva na época certa, reclama dos períodos de seca e deixa as botas sujas de terra na porta, antes de entrar na cozinha, para não levar bronca da tia Be. 
Sentado no sofá, usando o bom e velho boné com o logo da montadora de tratores para proteger os poucos fios de cabelo branco, meu tio recorda os dias em que o exército inimigo passava por trás da casa dele, na cidadezinha próxima de Veneza, e o medo que as famílias sentiam. Enquanto a tia lembra que a nossa família não passava fome porque tinha algum milho plantado no quintal, uma vaca, porcos e que no inverno, para aplacar o frio, todos dormiam na cocheira. 
Ao chegar no Brasil, os dois, ainda crianças, encararam a migração como aventura, e trabalharam no sítio para ajudar os pais. Estavam, finalmente, longe da guerra. E haviam, merecidamente, conquistado mais terra do que podiam imaginar. Era só recomeçar. E trabalhar muito para prosperar. 

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