desacelerando
Meu pai se aposentou e, com a aposentadoria, veio a vontade de mudar um pouco a vida. Nas palavras dele, "deixá-la mais tranquila". Mas antes de parar de vez, ele tentou tocar o próprio negócio e enquanto captava clientes, recebeu uma proposta para ser consultor em uma fábrica no interior de São Paulo. Ele teria que morar na cidadezinha durante a semana e voltar para a capital aos fins de semana, como nunca tinha feito antes. Trocou seu negócio próprio por uma nova experiência e continuou me ensinando sobre superação.
Me preocupei, porque minha mãe ficaria sozinha na capital. Mas o arranjo deles deu certo e ele passou a gostar da tal Ibitinga, "a cidade dos bordados". Esse trabalho fez meu pai se sentir valorizado novamente e empolgado, como há muito tempo não se sentia. Ele me ligava e dizia que morava "no fim da cidade", a apenas 10 minutos do trabalho. Uma benção, já que nos últimos 20 anos, meu pai viajava cerca de 100 quilômetros diários para ir e voltar do serviço. Estava cansado.
Foi lá na pequena Ibitinga que ele reconheceu a necessidade de desacelerar. E hoje, de volta para casa, ele quer convencer minha mãe, nascida e crescida na metrópole, a levar a vida no interior. Ela concordou e eles compraram um sítio na cidade que foi colônia italiana, onde meu pai cresceu na década de 1950.
Essa notícia alegrou meu coração. Adoro essa cidade e a ideia de ver meus pais desacelerando e bem perto de mim. Isso porque o sítio fica a pouco mais de uma hora de distância da minha casa. Eu mesma troquei a metrópole pelo interior há mais de uma década e não me arrependo. Pelo contrário, sinto calafrios só de pensar em ficar presa no trânsito de São Paulo. Em Londrina, só preciso atravessar o bosque para ir de casa ao trabalho. E tenho tudo bem pertinho: amigos, cinema, farmácia, supermercado, hospital. E rodoviária e aeroporto acessíveis para abusar quando sinto saudade do colo da mãe.
Quantas vezes encontrei um conhecido na rua e troquei um sorriso? Quantas vezes saí do trabalho e fui papear com os amigos sem me preocupar com a distância, o tráfego, o preço absurdo de tudo? Quantas vezes visitei a cidadezinha do pai e dos tios num bate e volta saudoso? Isso parece normal, mas não é em se tratando da vida na metrópole. Pelo menos para mim.
No sítio, que pertencia a um velho amigo da família, tem quartos para todo mundo: meus pais, minha irmã, para mim e até para a minha vó. Tem uma cozinha enorme, que minha mãe só via em sonhos, e uma varanda, com vista para um jardim repleto de árvores frutíferas. Tem também um fogão a lenha, como aquele do sítio do nonno que, aliás, é a propriedade vizinha, ainda cuidada por um dos tios.
Falei para os meus pais, brincando, que trocaria a rotina de jornalista por uma vida pacata no sítio. Teria uma vaquinha para o leite, algumas galinhas para os ovos, uns porquinhos para carne e uma horta. Não precisaria de mais nada. Bem, talvez de uma tevê a cabo. Me conhecendo bem como conhecem, não acreditaram muito no meu sonho. Mas não tem problema. Só de saber que minha mãe poderá um dia viver em meio à terra vermelha já me diz que estamos no caminho certo.
Dedo de Prosa publicado na Folha Rural em 13-06-2015
http://www.folhaweb.com.br/?id_folha=2-1--1196-20150613
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