2x1
Minha mãe veio me trazer de volta para casa. Antes de partir, me abraçou chorando. Disse que ficaria com saudade. Eu a abracei e disse que também sentiria a falta dela, mas que ela não precisava chorar. Foram dias muito felizes. Meu pai também me abraçou e lembrou que o número de telefone dele continuava o mesmo e que eu deveria ligar caso precisasse de alguma coisa. Ou mesmo sem precisar de nada. Esse é meu pai. Meu coração estava apertado mas eu fui forte. Não chorei. Fui tirar as roupas de pouco mais de um mês de viagem da mala. Fui preencher os espaços vazios do guarda-roupa. E colocar os novos imãs na geladeira. Não foi só minha mãe que trouxe pequenos objetos ferromagnéticos para grudar na rotina tudo que foi inesquecível no mês de junho de 2018. Depois de lavar parte da roupa suja que repousou um mês no cesto, deitei no meu velho sofá. Meu porto seguro. A tevê a cabo estava fora do ar como eu previa e fui resolver. Tira o conversor da tomada, tira o smartcard, põe o smartcard, liga o conversor, espera a mensagem: erro. E isso se repete por uma hora e nada. Ligo na operadora e o rapaz pede para repetir os procedimentos que eu estava repetindo na última hora. Ele manda novo sinal e nada. Marca visita técnica e eu vou pro netflix colocar as séries em dia. Minutos depois, uma ligação da operadora. A moça gaúcha me pede para tentar limpar o smartcard antes de colocá-lo de volta ao conversor. "Liga no canal 40 que vou mandar outro sinal." E não é que deu certo. A novelinha das seis estava garantida. Horas depois, fritei as coxinhas feitas pela prima, tomei um copo da coca-cola que estava na geladeira (imagina só que delícia) e continuei na TV até dormir no sofá. Olha só minha vida voltando ao normal. Fui para cama na qual não dormia há 43 dias. E como estava sonolenta, nem deu tempo de pensar que estava sozinha de novo. Hoje, ao levantar, não tive ânimo para fazer muita coisa. Tá frio na pequena Londres. A amiga perguntou como estou me sentindo na volta para casa. Me disse para não ficar em casa sozinha e já me convidou para passear no fim de semana. Ela me conhece bem e sabe das minhas pequenas angústias. Eu continuo no horário de verão europeu: ainda não me acostumei com o escuro da noite, que pouco vi do lado de lá do oceano. Mas aos poucos as fotos vão saindo do celular e as lembranças vão ficando onde devem. "Limpa bem antes de colocar no lugar", disse a gaúcha da net, falando sobre o smartcard. Ela poderia estar falando da minha vida também. E a rotina vai se formando novamente. Porque a vida não espera. Está nos boletos a pagar. No negócio para empreender. Na música cigana para dançar. Talvez essas pequenas certezas diárias também devam ser guardadas com carinho. Afinal, são tão reais quanto um passeio de gôndola. E, juntas, as pequenas e grandes memórias podem nos alentar em dias de 2x1.
Comentários
Postar um comentário