sobre amar
Eu não sei o que é o amor romântico. Eu imagino o que seja,
mas viver, eu nunca vivi. Eu conheço o amor de mãe e pai. De irmã. De avó. De
tia. De tio. Eu conheço o amor de primos. O amor de madrinha. E o dos amigos.
Mas aquele amor que faz o estômago embrulhar e que te deixa sorrindo à toa eu
não conheço. Eu até já senti, mas foi um sentimento solitário. Então, não devia
ser amor. Imagino que o amor romântico é construído a dois. Não adianta nada um
sentir e o outro não. Imagino. É só o que eu posso fazer em relação ao amor
romântico: imaginar. Recebo mil conselhos, todo mundo dizendo que você precisa
estar disponível para recebê-lo e eu sempre achei que estivesse. Bem
disponível. Mas a verdade é que nunca estive. Sempre vivi na imaginação onde
não passava vergonha e tudo terminava como no último capítulo de novela. Não.
Essa não é a realidade. A realidade é voltar todo dia para casa sozinha, deitar
no meio da cama e se esparramar. Fazer comida para um só. Lavar só a minha
roupa. Não limpar a casa quando se tem preguiça porque, afinal, só tem eu lá. Para
que se preocupar? Me aconselharam a usar aplicativos, a segurar o olhar por
mais de três segundos na paquera, a buscar sites de relacionamento, a ir para a
balada, a ser menos tímida. Já me disseram de tudo e eu, no final dos meus
trinta, continuo confusa. Sem saber bem como ser. “Seja você mesmo e vai ficar
tudo bem.” Em se tratando de amigos eu aprendi a ser a melhor que posso ser.
Com a família ainda patino. Mas com a paquera, zero. O balcão está me ajudando:
ele fica no meio, como uma rede de proteção. Outro dia me vi conversando por
umas duas horas com um cara que vem sempre tomar um espresso carioca. Ele
falava, eu ouvia. Eu falava, ele ouvia. Uma conversa gostosa, como há muito eu
não tinha com ninguém. A gente estava contando para o outro um pouco de si. Foi
tão legal conhecer alguém novo. Quando ele aparecia, nossos sorrisos eram
espontâneos e eu imaginava que se eu me apaixonasse de verdade por alguém seria
assim. Um pouquinho mais todo dia. Bati na trave. Uma sortuda já tinha
conquistado seu sotaque e a mim coube recoloca-lo na condição de cliente que bebe
espresso carioca de vez em quando. Me lembrei que isso acontece sempre comigo:
bater na trave. E que eu sempre viro a amiga legal que vê o cara formar a
família de comercial de margarina. Já pensei em desistir e simplesmente aceitar
a condição de levar a vida fazendo panquequinhas pro café da manhã de domingo
só para mim. Pelo menos tenho o controle do que passa na tevê. É que de vez em
quando dá vontade de abraçar. Dá vontade de contar como foi o dia. De dividir
uma refeição ainda que em silêncio. De esperar aquela pessoa te buscar. De ir
buscar a pessoa onde ela estiver. Dá vontade de se ver com os olhos do outro. De
ser o centro das atenções por um instante. É o romantismo que vive na minha
cabeça e que não tem nada a ver com a realidade da maioria dos casais. Eu sei.
Mas quer saber: vendo de fora, eu consigo ver carinho no marido que diz qual
banca de fruta é a melhor na feira. Eu consigo ver carinho no casal que passa o
dia longe mas faz a janta junto, enquanto divide uma cerveja. Eu consigo ver carinho
na esposa que faz macarrão à bolonhesa todo domingo porque é o preferido do
marido. Eu consigo ver carinho na costureira que prepara o prato do alfaiate
porque conhece o quanto ele gosta de comer. Eu consigo ver carinho na senhora
que deu banho no marido quando ele já não podia mais tomar banho sozinho. Eu
vejo carinho na pesquisadora que apoia o pesquisador em seus momentos de dúvida.
Eu vejo carinho nos namorados que dividem um risoto e um vinho
num dia de semana qualquer na casa que passaram a compartilhar. Eu vejo carinho na mãe que leva as duas filhas para
viver no país do marido para ter uma vida melhor. Eu vejo carinho no marido que
abastece a adega de vinhos da esposa ainda que não beba uma gota. Eu vejo
carinho no agricultor que volta todo dia da fazenda para ficar um pouquinho com a filha
recém-nascida. Eu vejo carinho na jornalista que tira um ano sabático para
acompanhar o namorado em mais uma etapa de estudos no exterior. Eu vejo carinho
no casal que escolhe uma música de axé para cantar junto no karaokê. Eu vejo carinho na jornalista que abdica da carreira para criar os dois filhos pequenos enquanto o marido acumula muitas horas de trabalho. Eu vejo carinho no marido que acompanha a dançarina em todos seus projetos pela cidade. Eu vejo carinho na namorada que esperava o namorado chegar do trabalho para jantar e não ia dormir enquanto ele não ligasse avisando que estava em casa. "Dorme com os anjos e sonha comigo." Eu vejo
carinho na rotina. Ainda que ela seja pesada. Um carinho velado, escondido
naquele beijo estalado corriqueiro que os casais se dão e ninguém dá valor.
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